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"Vista à luz da evolução, a biologia é, talvez, intelectualmente a mais satisfatória e inspiradora ciência. Sem essa luz, torna-se uma pilha de fatos diversos – alguns deles interessantes ou curiosos, mas que não fazem uma descrição significativa do todo". Como já nos adiantava Theodosius Dobzhansky em “Nada em Biologia faz sentido se não à luz da evolução”, A Evolução Biológica é a linha invisível que percorre todo conhecimento sobre a vida e deve ser compreendido por todos que almejam conhecer verdadeiramente o mundo natural. Você pode ler o artigo completo em português (que só tem no Biologia em Pauta) clicando aqui. Essa leitura é bem bacana para entender a Evolução sob a perspectiva prática e filosófica dos seus mecanismos, além das controvérsias relacionadas ao embate com o pensamento religioso.

Deriva Genética

Ao que tudo indica, as primeiras formas de vida foram seres unicelulares, muito parecidos com algumas  bactérias anaeróbicas atuais, que não necessitam de oxigênio para respirar e gerar energia. A concentração de oxigênio na atmosfera da Terra primitiva era extremamente baixo (0,01%), o que permitiu  que se concentrassem compostos orgânicos nos oceanos sem que eles fossem oxidados. Estes compostos foram utilizados pelas primeiras formas de vida para gerar energia, provavelmente numa versão simplificada do processo de quimiossíntese (uma forma autotrófica um pouco parecida com a fotossíntese, mas em vez da luz e gás carbônico, outros compostos químicos diferentes são reduzidos para gerar energia para a célula).

Assim, o primeiro grande salto onde seres vivos modificaram substancialmente o ambiente foi o surgimento de bactérias fotossintetizantes, isto é, capazes de transformar a energia luminosa do sol em energia química passível de ser utilizada no seu metabolismo celular. A luz do sol é um recurso abundante na maior parte da superfície terrestre (excetuando-se os polos da terra e regiões abissais dos oceanos, por exemplo), mas a fotossíntese primitiva não era como a conhecemos hoje. Os processos bioquímicos das células vivas também são moldados pela evolução, isto é, passam por transformações ao longo do tempo e são selecionadas pelo ambiente. Diferente do processo que conhecemos atualmente, as primeiras bactérias fotossintetizantes utilizavam o Hidrogênio proveniente da quebra de moléculas de água (2H2O → O2 + 2H2).

Já o Oxigênio, produto tóxico do processo, era liberado e ficava dissolvido na água, posteriormente, difundindo-se também para a atmosfera. O oxigênio era, portanto, tóxico tanto para as primeiras bactérias fotossintetizantes quanto para as quimiossintetizantes já existentes. Pensando que as células quimiossintéticas devessem possuir ampla distribuição nos oceanos primitivos, onde a quantidade de compostos dissolvidos era enorme, o aumento de oxigênio atmosférico provocado pelo "boom" de bactérias fotossintetizantes provocou uma oxidação cada vez maior destes compostos, reduzindo sua disponibilidade e controlando a população das bactérias que dependiam destes. Esse momento geológico da terra que eu descrevi é conhecido como a revolução do oxigênio, que é bem visualmente perceptível pelo gráfico que eu deixo ao lado.

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O oxigênio dissolvido na atmosfera passou dos 0,01% para os atuais 22%, provocando uma primeira grande extinção causada pela poluição por oxigênio liberado, que era tóxico à todas as formas de vida até então. Essa transformação permitiu, por outro lado, a evolução da respiração aeróbica que, bioquimicamente, pode ser até 15x mais eficiente na produção de energia do que a anaeróbica. Então, pensando na dialética da evolução, a maioria das espécies da terra primitiva não conseguiriam viver no ambiente atual, assim como a maioria das espécies vivas atuais não sobreviveriam na terra primitiva. O meio ambiente seleciona as espécies e as espécies modificam o ambiente. Esse é o processo constante, dialético e dinâmico que chamamos de Evolução.

Dialética da Evolução

dialética

Hoje vivemos uma extinção em massa provocada por um conjunto de fatores que são atribuídos à atividade humana: desmatamento (perda de habitat), caça, aquecimento global por intensificação de gases estufa oriundos de atividades produtivas, entre outras. Essa é uma característica fortemente ligada à era geológica atual: antropoceno.

A principal diferença é o agente causador: se antes, eventos naturais, hoje é atividade humana. O interessante é observar que a dialética evolutiva se impõe até mesmo nesse caso. Somos animais; primatas, mais especificamente. O homem moderno se derivou há cerca de 200 mil anos, no continente Africano, provavelmente na região da Etiópia. Nesse tempo, que é um suspiro para a o tempo evolutivo, nós realizamos modificações radicais na paisagem natural e isso selecionou adaptações e mudanças de comportamento nos animais e plantas nativas dessas respectivas regiões. Somos mais que uma força geológica, somos uma pressão seletiva. Isso tanto é verdade que certas espécies que se relacionam bem com a vida humana ou que tem uma 'utilidade para ela são reprodutivamente favorecidas em relação à outras. Os cães, gatos, pombos, capivaras, gado, etc. na aba de documentários, tem um episódio de "Planet Earth II" chamado Cities, que fala exatamente sobre isso! Clicando no link você poderá assisti-lo em HD.

teoria

Mas a Evolução Biológica não é uma Teoria?

Existe uma confusão comum em relação a termos muito utilizados dentro da ciência, como Lei, Teoria, Hipótese, Fato científico, etc. Deixo um vídeo ao lado que explica estes termos. é bem interessante! Popularmente, "teoria" possui vários sentidos, como de "sugestão", "imaginação" ou algo que ainda não foi corroborado, mas na verdade, teoria científica significa um "conhecimento organizado sistematicamente, aplicável a uma ampla variedade de circunstâncias; em particular, um sistema de premissas, princípios, e regras de procedimento elaborados para analisar, prever, ou descrever a natureza ou comportamento de um determinado conjunto especificado de fenômenos". Parece bem mais complexo, não? E é mesmo. Simplificando um pouco a definição, Teoria Científica é um conhecimento elaborado a partir da constante reafirmação e generalização de hipóteses. Seria o mais alto grau de confirmação de uma ideia científica, como adianta o Pirula no vídeo.

As teorias, bem como o conhecimento científico no geral, não são irrefutáveis, nem produtoras de verdades absolutas, mas justamente uma das coisas que caracterizam a força de uma teoria é o grau de irrefutabilidade dela, segundo o filósofo da ciência Karl Popper. Assim, novos fatos observados que não são explicáveis pela teoria vigente a priori enfraquecem ela e o oposto também é verdadeiro. Vale ressaltar também que as teorias podem sofrer aperfeiçoamentos ou modificações, visto que é praticamente impossível que uma proposição seja tão absolutamente perfeita que explique com tanta precisão os fenômenos naturais no primeiro momento em que ela é pensada. Muitas vezes em vez de simplesmente elas serem descartadas, dependendo da nova evidência encontrada, são aperfeiçoadas para se aproximar da melhor explicação possível para os fatos observados. Foi o caso da teoria evolutiva proposta por Darwin. O conjunto de fatos científicos que suportam a teoria sintética da evolução que utilizamos atualmente é baseado em muitas ideias de Darwin, mas dada as limitações tecnológicas da época, ela tinha um alcance também limitado. Por isso, hoje temos um conjunto muito mais complexo, mais unificador e preciso, do que aquele inicialmente proposto por Charles Darwin.

Outro fato importante de entendermos sobre teorias científicas é que elas não precisam ser unificadoras e explicar necessariamente todos os fenômenos da Biologia, Física e Química, mas podem apresentar explicação para apenas fatos específicos. Para que uma teoria científica seja "desbancada", é necessário que existam evidências consistentes dentro dos moldes científicos para contrapô-la. Por isso muitas discussões entre Criacionistas e Evolucionistas são infrutíferas, visto que não há evidências científicas da existência de um Deus que crie ou tenha criado as espécies de seres vivos. A crença neste fator se dá por intermédio da , que possui uma forma diferente para considerar algo verdadeiro ou falso. A religião é uma forma de explicar fenômenos naturais também, mas passa por outros processos para se construir. Da mesma forma, não é comprovável cientificamente a inexistência de Deus, o que faz inconsistente o fato de tantos cientistas serem avessos à religião como se elas fossem, nas suas naturezas, inimigas. Encarar a ciência como religião é equivocado, e considerar como correto apenas e exclusivamente o que a ciência diz que é, também. Isto por que a ciência muitas vezes produz hipóteses descartadas, verdades temporárias e é limitada pela tecnologia para compreender o mundo. A ciência tem suas limitações éticas, tecnológicas e filosóficas. Por isso, não é capaz, e dificilmente um dia será, de explicar o mundo natural de forma absolutamente completa. A questão é que nunca saberemos o quanto não sabemos ainda.

platao

Desde a Antiguidade até o final do século XIX, grande parte dos estudiosos acreditava que a prole pudesse herdar dos progenitores as modificações que eles sofressem durante sua vida. Essas modificações poderiam decorrer do uso e desuso de órgãos ou partes do corpo ou, até mesmo, em alguns casos, de mutilações. Esse tipo de fenômeno é chamado geralmente de “herança de caracteres adquiridos” ou “transmissão de caracteres adquiridos”. Concepções como essas estavam presentes na Antiguidade em tratados que integram o Corpus hippocraticum como, por exemplo, “Ar, ares e lugares” e em algumas obras de Aristóteles (384- 322 a. C.) sobre os seres vivos, como História dos animais e Geração dos animais.

Aristóteles considerava que os filhos podiam se parecer com os pais tanto em relação às características congênitas como em relação às características adquiridas, mas que havia poucos casos que confirmassem a herança de mutilações, como fala no Livro Geração dos animais.

No século XVII, estudiosos como o físico Pierre Gassendi (1592- 1655), por exemplo, aceitavam a herança direta de mutilações. No século seguinte, Pierre Louis Moreau de Maupertuis (1698-1759), Georges Louis Leclerc, conde de Buffon (1707-1788) e o avô de Darwin, Erasmus Darwin (1731-1802) também consideravam possível que características adquiridas durante a vida dos indivíduos pudessem ser herdadas pelos seus descendentes. Enquanto Buffon admitia a herança direta de mutilações, seu colega Charles Bonnet (1720- 1793) discordava. Na primeira metade do século XIX, a transmissão das características adquiridas esteve presente nas obras publicadas por Jean Baptiste Pierre Antoine de Monet, Chevalier de Lamarck (1744-1829), a partir de 1800. Durante a segunda metade do século XIX, aparecia também nas obras de Charles Robert Darwin (1809-1882), Herbert Spencer (1820-1903) e Charles-Édouard Brown-Séquard (1817-1894).

 

Retirado do artigo da Lilian Al-Chueyr Pereira Martins, 2005.

Carl Von Linné (1707-1778), pai da taxonomia moderna e contemporâneo de Lamarck também era fixista. Gosto de trazer esses exemplos para que vocês vejam que nomes importantes da História da Ciência não são "pessoas a frente do seu tempo" e, como qualquer outra pessoa de seu tempo, carrega um conjunto de pensamentos próprios da época que vive. Linné, em Philosophia botanica, de 1751, escreve:
"As espécies são tão numerosas quanto as diferentes formas que foram criadas no início”

De Platão à Lamarck

A evolução significa mudança através do tempo, indicando também que existe uma relação de ancestralidade entre as espécies. Diante disso, a primeira questão a se entender é que esse pensamento vem em oposição diametral à ideia ocidental vigente até então: o Fixismo. Desde a visão de Platão, que acreditava que o homem era a expressão mais perfeita da criação e que sua estadia na Terra corrompeu sua essência, dando origem à figuras degeneradas como "mulheres, escravos, aves e animais terrestres", até a visão do Livro da Gênesis, que se ocupando de explicar a origem e construção do universo, estabelece que, no jardim do Éden, todas as criaturas foram pensadas e criadas por Deus para serem subjugadas pelo homem. A Bíblia descreve o homem como imagem e semelhança do divino e dominador sobre as outras espécies animais e vegetais viventes na Terra. Além da característica fortemente antropocêntrica, a principal questão do fixismo​, seja ele platônico-aristotélico ou judaico-cristão é que, nesses raciocínios as espécies não têm nenhuma relação de ancestralidade, visto que todas compartilhariam o momento de criação. Além disso, se foram criadas juntas, têm todas a mesma idade, que seria a mesma idade da Terra. Desta forma, o fixismo não reconhece nem explica o surgimento de novas espécies, pois considera, por exemplo, o ser humano como um animal tão antigo quanto as bactérias mais simples. Um evento único de gênesis, de criação.

Então disse Deus: "Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais grandes de toda a terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão". Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.
Deus os abençoou, e lhes disse: "Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra".
Disse Deus: "Eis que lhes dou todas as plantas que nascem em toda a terra e produzem sementes, e todas as árvores que dão frutos com sementes. Elas servirão de alimento para vocês.
E dou todos os vegetais como alimento a tudo o que tem em si fôlego de vida: a todos os grandes animais da terra, a todas as aves do céu e a todas as criaturas que se movem rente ao chão". E assim foi.
E Deus viu tudo o que havia feito, e tudo havia ficado muito bom. Passaram-se a tarde e a manhã; esse foi o sexto dia.

Bíblia Sagrada, Gênesis 1:26-31

 Apesar da teoria da evolução ser muito ligada ao nome de Charles Darwin, ele só nasce no ano de 1809, ou seja, início do século 19. Exatamente neste ano, por coincidência, as ideias evolutivas ganham bastante popularidade com a publicação de "Philosophie Zoologique", de Jean Baptiste Lamarck (1744-1829). Na capa do livro é desenhada uma serpente, uma vez que o autor ficou conhecido por propor uma explicação para sua origem através de suas leis, que vamos falar um pouco mais à frente. Apesar de seu conjunto teórico ser frequentemente exemplificado com uma girafa, a menção às girafas ocupa apenas um parágrafo desse livro e não representa a peça central de sua teoria. Eu estou aqui justamente para te dar o privilégio de acessar a história do pensamento evolutivo de forma mais complexa e contextualizada.

Como um homem que é o produto de seu tempo, até 1799, Lamarck acreditava em animais e vegetais fixos. Acreditava que existia, sim, alguma influência do ambiente sobre os seres vivos (que é uma ideia bem antiga, aliás), mas que essa influência se limitava a produzir mudanças a nível de variedades, mas não de gerar novas espécies. Ele muda de ideia a partir de alguns trabalhos que produz, que o fazem refletir sobre a natureza da vida e a relação entre animais vivos e não-vivos. Aqui, a história da evolução se conecta com a história do microscópio, que você encontra aqui, pois justamente o estudo das células estava muito relacionado com esse debate da fronteira entre o mundo vivo e não-vivo. Ao analisar diferenças entre seres vivos e não-vivos, Lamarck reflete sobre a inexistência de uma barreira intransponível entre matéria inanimada e a vida, sendo possível o surgimento da segunda a partir da primeira. Seus estudos geológicos e fósseis também o ajudaram a ter uma visão da transformação de todas as coisas, principalmente ao analisar como conchas fósseis se pareciam com as modernas, indicando uma certa noção de descendência com transformação. Vários outros fatores podem ter influenciado um pensamento evolucionista em Lamarck, mas a documentação histórica da época é um pouco escassa. Sabemos que, em 1800, Lamarck apresenta suas novas ideias na aula inaugural do curso que ele ministrava num Museu.

Ao descrever suas próprias ideias, Lamarck não utilizava o termo "evolução". Apesar de hoje o reconhecermos como o principal pioneiro do pensamento evolutivo, à época a palavra evolução tinha outro sentido, mais relacionado ao desenvolvimento de um organismo do óvulo até o estágio adulto. Hoje, conhecemos isso como ontogenia. Ele usava termos como: aperfeiçoamento, progressão, desenvolvimento, progresso, mudança. Não há um nome constante pra descrever o processo evolutivo, por isso historicamente, o mais adequado não é chamar seu conjunto de ideias de Teoria Evolutiva, mas de Teoria da progressão dos animais.
Outra coisa importante de dizer é que as ideias de Lamarck foram sendo refinadas ao longo dos anos e das suas publicações, mas que sua idade avançada o limitava muito. Lamarck  teve dificuldades financeiras e de saúde, chegando a ficar cego por causa de uma catarata, agravada pelos anos de uso constante do microscópio e lupa. 

Lamarck estava muito longe de ser um aristocrata da época. Sua vida foi marcada por muita tragédia: teve três esposas, que faleceram durante sua vida, e oito filhos, os quais três também vieram a falecer. Dos cinco restantes, um era cego, um tinha problemas mentais, duas eram mulheres solteiras e somente um foi financeiramente bem-sucedido. Quando morreu, a família de Lamarck teve de pedir dinheiro emprestado para o funeral. Praticamente todos os seus documentos e manuescritos se perderam no tempo e até ele próprio foi esquecido, até o surgimento da teoria evolutiva de Darwin. Além do conhecimento geológico da época de Lamarck, Os geólogos James Hutton (1726-1797) e Charles Lyell (1797-1875) influenciam fortemente a teoria evolutiva de Darwin por, nos seus campos de atuação, proporem que a Terra passava por mudanças lentas, graduais, mas contínuas para suas formações geológicas. Na época, influenciado pelo pensamento cristão, a ideia mais popular era de que a Terra tinha milhares de anos e que seus processos (por exemplo, o surgimento de um cânion, de um rio, etc) eram repentinos e catastróficos.

Nada permanece constantemente no mesmo estado na superfície do globo terrestre. Tudo com o tempo sofreu mutações diversas, mais ou menos rápidas, conforme a natureza dos objetos e circunstâncias. Os lugares elevados constantemente se degradam, e tudo o que se destaca é arrastado para os lugares mais baixos. Os leitos dos rios, dos córregos, mesmo os mares mudam de lugar, assim como os climas; em uma palavra, tudo na superfície da Terra muda pouco a pouco de situação, de forma, de natureza e aspecto

Lamarck, Secherches sur l'organisation des corps vivants, p. 97-8

Esses geólogos (Hutton e Lyell), então, começam a acumular evidências e dar robustez à ideia de que a Terra poderia ser bem mais antiga do que se pensava (hoje estimamos a idade da terra em 4,6 bilhões de anos) e que os processos eram graduais, lentos e contínuos. Influenciado por estas ideias, Darwin sugere que talvez processos lentos e sutis possam também produzir mudanças biológicas substanciais nas espécies viventes. É a alma da evolução, e ela nasce em concordância com novas concepções sobre os processos geológicos, que modificam o ambiente (justamente o fator que controla os processos biológicos evolutivos). Os processos geológicos e biológicos não concordam atoa. 

Lamarck a darwin

De Lamarck à Darwin

"Eu nem era o exemplo preferido do Lamarck". Diria a girafa, se pudesse falar

Lamarck desenvolveu muitas pesquisas e contribuiu para diversas áreas do conhecimento. As ideias que mais nos interessam nessa discussão são acerca da teoria de progressão dos animais.

a) Origem dos Seres Vivos

De acordo com a forte influência do pensamento religioso da época, Lamarck explicava que o 'Supremo Autor' teria criado a natureza, que por si só teria dado origem a todos os seres vivos (sem a intervenção divina). Então, apesar de não explicar cientificamente a origem da vida, acreditava na vida como um fenômeno físico. Primeiro, não existiam seres vivos; depois, a natureza (criada por Deus) criaria os primeiros seres vivos a partir da Geração Espontânea. Vale te localizar no tempo: essa ideia só foi ser desconsiderada depois de 33 anos da morte de Lamarck, com os experimentos de Pasteur, em 1862. A partir dos primeiros seres vivos mais simples, espontaneamente gerados, a natureza foi produzindo organismos cada vez mais complexos, com diferentes 'graus de perfeição'. Uma ideia interessante é que ele não acreditava numa origem comum entre animais e plantas, por exemplo, mas que haviam surgido de cadeias diferentes, dois 'ramos distintos', pois são feitos de 'material distinto'.

A natureza, em todas as suas operações, procedeu gradualmente; não pôde produzir todos os animais de uma só vez: primeiro formou os mais simples, passando desses aos mais compostos; estabeleceu neles sucessivamente diferentes sistemas de órgãos particulares, multiplicou-os, aumento sua energia pouco a pouco e, acumulando essa energia nos mais perfeitos, fez existir todos os animais conhecidos, como as faculdades que neles observamos.

(Lamarck, Histoire naturelle, vol. 1, p. 105)

Geração espontânea (do latim: generatio spontanea) também é conhecida como abiogenése, arquebiose ou arquigénese

b) Progressão dos animais

O autor também acreditava que a diversidade de seres vivos seria resultado das transformações que sofriam ao longo da vida, como resposta às suas necessidades de se adaptar às condições ambientais. Lamarck dizia que os animais tendiam a 'complicar a sua organização', formando novos órgãos e aperfeiçoando suas faculdades. Por isso, a ideia de evolução como progresso, vetorial em uma direção única, sempre em direção à ser mais complexo e 'melhor' se torna bem demarcada. Uma ideia importante, que fica como legado para a ideia evolucionista que viria a se formar, é a da influência do meio nas modificações dos organismos:

A influência das circunstâncias é efetiva em todos os tempos e em toda a parte, agindo sobre todos os corpos que gozam da vida, mas o que torna essa influência difícil de ser percebida é que seus efeitos só se tornam sensíveis ou reconhecíveis (sobretudo nos animais) com o decorrer de muito tempo.

(Lamarck, Philosophie zoologique, vol. 1, p. 185)

Quatro das suas ideias mais conhecidas estão na explicação do mecanismo pelo qual os animais adquirem e transmitem as mudanças, publicadas no livro Historie naturelle des animaux sans vertèbres, em março de 1815, nas páginas 151 e 152:

i) "A vida, pelas suas próprias forças, tende continuamente a aumentar o volume de todo o corpo que a possui, e a estender as dimensões de suas partes, até um termo que lhe é próprio" 

ii) "A produção de um novo órgão em um corpo animal, resulta de uma nova necessidade que continue a se fazer sentir, e de um novo movimento que essa necessidade faz surgir e mantém" 

iii) "O desenvolvimento dos órgãos e sua força de ação são sempre proporcionais ao emprego desses órgãos"

iv) "Tudo o que foi adquirido, lavrado ou mudado, na organização dos indivíduos, durante o curso de sua vida, é conservado pela geração e transmitido aos novos indivíduos que provêm daqueles que experimentaram essas mudanças".

 

Fica muito claro a lógica que está sendo descrita pelo autor: a necessidade de modificar-se de acordo com as demandas do ambiente faz com que determinadas estruturas sejam mais utilizadas enquanto outras seriam subutilizadas. Isso ficou conhecido como 'Lei do Uso e Desuso'. Assim, a constante necessidade ou falta de uso de determinada estrutura ou órgão resultaria num aumento ou diminuição da sua capacidade funcional, respectivamente, ocasionando um maior desenvolvimento ou desaparecimento total.

A falta de emprego de um órgão, tornada constante por hábitos que se adquiriu, empobrece gradualmente esse órgão, e acaba por enfraquecê-lo e mesmo fazê-lo desaparecer

(Lamarck, Philosophie zoologique, vol. 1, p. 204)

O emprego frequente de um órgão tornado constante por seus hábitos aumenta as faculdades desse órgão desenvolvendo-o e fazendo-o adquirir dimensões e força de ação inexistentes nos animais que o empregam menos

(Lamarck, Philosophie zoologique, vol. 1, p. 211)

Depois, estas características e modificações adquiridas durante a vida dos indivíduo seriam passadas aos seus descendentes, o que fica conhecido como a segunda Lei de Lamarck: "Lei da Transmissão dos Caracteres Adquiridos". Só um detalhe histórico, é que apesar de ser uma ideia bastante antiga e amplamente aceita durante muitos séculos, como mostrei anteriormente, a 'herança de caracteres adquiridos' continua a ser associada apenas a Lamarck e considerada como sua ideia original. É constantemente empregada como sinônimo de “Lamarckismo” ou confundida com a própria teoria de Lamarck, em si. 

Segundo a interpretação evolutiva de Lamarck, aves com pernas longas teriam surgido por um esforço e um uso muito intenso destas estruturas, para permanecerem fora da água em regiões alagadas, por exemplo; a teoria também foi utilizada para explicar a origem das serpentes, que teriam evoluído a partir de uma espécie de lagarto que se deslocavam muito frequentemente em locais com pouco espaço para se locomover, tendo que mover as patas para o ventre gerando um pouco uso destas estruturas até o total desaparecimento.

Ora, cada mudança adquirida em um órgão por um hábito suficiente para tê-la operado conserva-se pela geração, se é comum aos indivíduos que participam juntos da fecundação para a reprodução de sua espécie.

(Lamarck, Recherches sur l’organisation des corps vivants, p. 50)

As teorias evolutivas de Darwin e Lamarck (que nunca chegaram a se conhecer ou discutir as suas ideias) possuiam semelhanças importantes que, como fiz questão de destacar acima, eram contra-hegemônicas, visto que o pensamento fixista era predominante. Lamarck foi pioneiro e original, fato que rendeu o reconhecimento de Darwin nas publicações de "A Origem das Espécies" (1859). Lamarck reconheceu e elaborou hipóteses sobre a evolução das espécies, levando em conta descendência de caracteres, efeitos da interação entre ambiente-espécie e o conceito de adaptação, ideias utilizadas por Darwin depois, com algumas diferenças na compreensão.

Uma das maiores divergências entre as teorias é o papel do ambiente, que na de Lamarck é ativo nas mudanças dos indivíduos e na de Darwin possui um papel passivo, através da seleção natural. Então, é hora de abandonar velhos conceitos de que Darwin e Lamarck eram "inimigos" ou antagonistas, pois além deles nunca terem se conhecido, ambos foram cruciais para formar uma ideia mais plausível sobre evolução biológica. Hoje, adicionando-se novas observações e conhecimentos de genética, alguns pressupostos de Darwin se tornam inconsistentes, mas isso, de forma alguma faz com que ele perca importância na construção do conhecimento humano sobre evolução biológica. Assim como também não podemos negar a relevância histórica de Lamarck.

Hoje, já descobrimos sobre a herança epigenética, que as autoras do livro "evolução em quatro dimensões" (você pode baixar aquiapontam como um fator que pode trazer a tona algumas ideias lamarckistas, e argumentam que seria necessário rever a nossa teoria vigente no que elas propõem como a síntese Lamarck-Darwiniana. Segundo as autoras, "existem diversos fatores epigenéticos ligados a variação no genoma. O mais recente demonstrou que príons estão emergindo como agentes deste tipo de herança em resposta a estímulos ambientais, gerando novos traços biológicos, que podem ser transmitidos para as gerações descendentes, dando-lhes vantagens fixando alterações genéticas". 

Não é a forma, seja do corpo ou de suas partes, que dá lugar aos hábitos e à maneira de viver dos animais, mas são ao contrário, os hábitos, a maneira de viver, e todas as outras circunstâncias que influem com o tempo constituindo a forma do corpo e das partes dos animais. Com novas formas, novas faculdades vão sendo adquiridas, e pouco a pouco a natureza chega a formar os animais tais como vemos atualmente

(Lamarck, Philosophie zoologique, vol. 1, p. 229)

darwin e wallace

Contribuição de Charles Darwin

Acredito que todos conheçam os aspectos principais sobre a vida e obra de Charles Darwin, mas eu duvido que vocês realmente conheçam os aspectos principais sobre a vida e obra de Charles Darwin. Antes de entrar nesse tema, mais um pouco de contexto. Quero que vocês conheçam um teólogo e filósofo que estudou no mesmo colégio de Darwin (Christ’s College): William Paley (1743-1805). Seus livros eram leitura obrigatória até o século XX. Dentre eles, 'A view of the evidence of christianity' (1794) e 'Natural theology: or, evidences of the existence and attributes of the Deity, collected from the appearances of nature' (1802). Além dos nomes de livros na época serem muito longos, como você já pode ter reparado, outra coisa é interessante de perceber: as ideias de Lamarck e seus contemporâneos não irromperam completamente com a justificativa teológica da origem e imutabilidade das espécies, que continuava viva e plena. É muito importante que, ao pensar em períodos históricos, tenhamos o cuidado de não relatá-los como um conjunto único de ideias. Em qualquer tempo existem ideias hegemônicas e contra-hegemônicas, em embate permanente. Isso é uma constante histórica. Naquele último livro que eu citei, Paley apresenta uma metáfora emblemática, que é utilizada até hoje por anti-evolucionistas como base para um pensamento religioso chamada "Design Inteligente".

Você já tinha visto o Darwin sem barba?

Esse conteúdo foi baseado nos artigos do Nélio Bizzo (2007) e Lilian Martins (2015).

"Ao estudar um relógio, estudamos a mente do relojoeiro. Cada peça do relógio tem um propósito e foi projetada especificamente para atuar com uma finalidade. O conjunto é harmônico e serve a um objetivo maior. É impossível olhar um relógio sem perceber uma mente brilhante no relojoeiro. O relógio era apenas uma construção rude, perto dos animais e das plantas. Estudar os organismos da natureza permitia entender a mente de seu Criador, que projetara toda a perfeição do mundo".

A analogia do relojoeiro argumenta que a complexidade e adaptações dos seres vivos eram prova da intervenção divina na criação, o que já representava uma forma de sofisticação da Gênesis descrita no livro cristão.

Charles Robert Darwin (1809-1882), diferente de Lamarck, era um aristocrata e podia dedicar-se somente aos estudos e experimentos. Em 1831, no auge dos seus 22 anos, embarca na tão famosa viagem a bordo do H. M. S. 'Beagle', que durou 6 anos. Darwin havia sido convidado por John Henslow (1796–1861) via carta, que contava da possibilidade de uma viagem em volta ao mundo. O trajeto incluiu a América do Sul, Oceania e África. No Brasil a estadia de Darwin durou 6 meses, tendo visitado Salvador (BA) e o estado do Rio de Janeiro, onde ficou mais tempo (5 meses). Uma outra parada muito importante na sua viagem foi em 1835, nas Ilhas Galápagos, um arquipélago vulcânico do Oceano Pacífico. Essas ilhas, que pertencem ao Equador, atualmente são um dos destinos mais procurados para Turismo Natural, justamente pela sua influência na formulação da Teoria da Evolução por Charles Darwin. Até embarcar no Beagle, Darwin era o que se podia chamar de fixista.

“Quando eu estava a bordo do H.M.S. 'Beagle,' como naturalista, fiquei muito impressionado com certos fatos na distribuição dos habitantes da América do Sul e com as relações geológicas dos habitantes presentes com os do passado  naquele continente. Estes fatos, me parecia, poderiam lançar alguma luz sobre a origem das espécies – aquele mistério dos mistérios, como foi chamado por um de nossos maiores filósofos.”

(Charles Darwin, Origem das Espécies, 1859)

No dia 17 de dezembro de 1832, enquanto Darwin se preparava para desembarcar ao sul do Cabo San Sebastián, na Argentina, seu professor de Geologia, Adam Sedgwick (1785-1873), proferia, na Capela do Trinity College, em Cambridge, o discurso de celebração do feriado natalino na forma de um sermão. Publicado diversas vezes, inclusive em tempo recente, ele é uma boa fonte para compreender a maneira como a natureza era vista no ambiente universitário em que Charles Darwin acabara de completar seus estudos.

Deus não criou o mundo e o largou a si mesmo, mantendo-se sempre depois um espectador inerte de seu próprio trabalho: pois ele coloca diante dos nossos olhos as provas seguras de que durante períodos sucessivos têm havido não só grandes mudanças na vida orgânica; mas que, em cada caso de tal mudança, os novos órgãos, na medida em que podemos compreender a sua utilização, foram adequados exatamente para as funções dos seres aos quais foram dados. Isso mostra um poder inteligente não só desenvolvendo meios adaptados para um fim: mas em muitos tempos sucessivos desenvolvendo uma mudança de mecanismo adaptada a uma mudança de condições externas; e, assim, proporciona uma prova peculiar de que a grande causa primeira permanece como uma inteligência ativa e providente.

A ideia de perfeição, atribuída constantemente ao Deus descrito pela crença católica, indefectível e onipotente, também era direcionado à todas as suas criações, como o mundo natural. O raciocínio se torna cíclico, já que os seres vivos criados por Deus seriam perfeitos e o fato de serem perfeitos era uma prova indiscutível de que uma grande inteligência realizava constantes ajustes em sua obra. Esses ajustes seriam necessários já que a ideia de que o ambiente sofria mudanças já era bem popular nessa época, que é marcada também pelo início da ciência que conhecemos hoje como Geologia. A teoria proposta por Darwin tocava também nesse ponto: ela descrevia que os organismos não eram perfeitamente adaptados ao meio em que viviam, mas que aqueles que melhor adaptados fossem, tendiam a se sobrepor aos menos adaptados, em uma escala muito sutil de disputa. Evolução Biológica não se tratava de melhoramento, de progressividade, mas de mudança guiada pelo acaso, pela aleatoriedade e selecionada pelo meio.

Darwin só publica em 1859 o seu livro mais conhecido: On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life ou "Da Origem das Espécies por Meio da Selecção Natural ou a Preservação de Raças Favorecidas na Luta pela Vida". Atualmente conhecemos somente como "Origem das Espécies", porque alguma época tinha que superar essa coisa de nome de livro gigante. Não sei se você chegou a cruzar as informações, mas a viagem pelo mundo aconteceu entre 1831 e 1837 e o livro é publicado somente 22 anos depois. Quem não se identificou um pouco com ele nessa, ein? Seria Darwin gente como a gente? Lamento decepcionar você, mas o que inicialmente parece procrastinação e desinteresse, na verdade é um pouco mais complexo. Durante a viagem, Darwin coletou amostras geológicas, biológicas, realizou observações e anotações extensas nos seus cadernos de campo. Tudo isso demorou muito tempo para ser condensado em artigos e, finalmente no seu livro. Além disso, ele encontrava controvérsias dentro da sua linha lógica, que dialogavam com o status do conhecimento sobre geologia da época, como já falamos antes. Qual a idade da Terra? Qual a velocidade dos eventos geológicos?

Nesse meio tempo, mudou de convicções acerca até mesmo da sua tese central (a seleção natural), concluiu depois de certo tempo que a mudança evolutiva poderia se dar em espaços de tempo menores e sem mudanças dramáticas no ambiente. Darwin tomou o pressuposto de que os seres vivos não estão perfeitamente adaptados ao meio, mas apenas mais bem adaptados do que seus ancestrais. Isso implicava modificar a perspectiva de atuação da seleção natural, que passaria a atuar de forma constante. Os mais bem adaptados precisariam de relativamente pouco tempo para ocupar o lugar daqueles de alguma forma menos adaptados, mesmo em grau ínfimo, diante do escrutínio implacável da seleção natural, constantemente desbastando as populações na corrida pelo sucesso adaptativo. Essa nova visão foi a que veio a ser publicada em 1859.

A repercussão do livro foi muito grande, recebendo uma torrente de críticas e contrapontos, que viriam a ser considerados por ele na redação das edições seguintes da obra. Mais tarde, com a ideia de que havia uma linha de ancestralidade entre todos os seres vivos, algo que feria tremendamente a tradição antropocêntrica do pensamento cristão ficava evidente: somos animais, sujeitos às leis naturais como quaisquer outros e derivados de outros organismos, como quaisquer outros. A teoria da Evolução Biológica de Darwin afetava, sobretudo, a noção de que o homem estava mais próximo de Deus que os outros animais e plantas e de que era distinto, especial, único.

No seu Livro "The Descent of Man" (O descendente do homem), publicado em 1871, Charles Darwin descreve como as faculdades intelectuais e morais do ser humano podem ter evoluído a partir de ancestrais semelhantes a macacos. Depois dessa publicação, se tornou relativamente comum para cartunistas a representação de Darwin com corpo de macaco e cabeça de humano, como você pode ver abaixo.

Algo que não podemos deixar se perder na história é o fato de que Darwin tinha afeição pela ideia do Uso e Desuso, postulada por Lamarck, chegando a descrever exemplos para justificá-la, em seus escritos. No Origem das Espécies, Darwin deu como exemplos de efeitos do uso que eram herdados, o grande desenvolvimento de úberes em vacas e cabras nos países onde elas são ordenhadas em comparação com aqueles em que não ocorre este procedimento. No livro "The Variation of Animals and Plants under Domestication" ele apresenta uma discussão mais detalhada sobre esta concepção e deu um maior número de exemplos. Em suas palavras:

É possível, dentro de certos limites, impressionar aqueles que não tiveram contato com o assunto, com a convicção plena da força da herança que foi aos poucos sendo adquirida pelos animais de criação, por meio do estudo de diversos tratados publicados sobre animais domésticos e conversas com os criadores. Vou selecionar alguns fatos que aos poucos foram me convencendo.

▪ Uma coelha que tinha apenas uma das orelhas teve um filhote desprovido da orelha do mesmo lado que a mãe. Este, por sua vez, teve filhotes que apresentavam a mesma deficiência. [...]

▪ Uma cadela que não possuía uma de suas patas gerou vários filhotes com a mesma deficiência [...].

▪ Uma vaca que havia perdido um dos chifres em um acidente seguido de supuração gerou 3 bezerros que apresentavam, do mesmo lado que a mãe, apenas uma protuberância óssea [...].

▪ Em seres humanos, pais que tiveram seu joelho e bochecha cortados no decorrer de sua vida geraram filhos que herdaram a mesma marca ou cicatriz [...]

"Além desses exemplos, Darwin mencionou a herança de hábitos como, por exemplo, do pai que costumava dormir de costas com a perna direita cruzada sobre a esquerda que transmitiu este hábito para sua filha que ainda bebê dormia em seu berço do mesmo modo". Assim como outros autores da sua época, Darwin acreditou na Herança dos Caracteres Adquiridos até o fim de sua vida. Os mecanismos genéticos de transmissão de características só iam ser elucubrados mais a frente, com experimentos de Gregor Mendel, que falamos aqui. A obra de Mendel só foi reconhecida mais de 30 anos depois de sua morte, já no século XX, quando o conhecimento acerca da genética começa a avançar em grandes saltos. Ou seja, embora Darwin considerasse a seleção natural como o principal meio de modificação das espécies, admitia outros como a herança de caracteres adquiridos, que aplicou a muitos casos, inclusive ao homem.

A teoria de Darwin tem um valor histórico inestimável e fincou estacas importantíssimas no nosso conhecimento sobre o mundo natural. Mas se eu te dissesse que outra pessoa chegou à praticamente a mesma conclusão que ele, quase juntos e sem que tivessem conversado sobre?

Seleção Natural, por Darwin

“A esta preservação das diferenças e variações individuais favoráveis, e a destruição das prejudiciais eu chamei de Seleção Natural ou Sobrevivência do mais apto”; “Estou convencido de que a seleção é o principal, mas não o exclusivo meio de modificação das espécies”

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Alfred Russel Wallace

Alfred Russel Wallace (1823-1913) foi o biólogo britânico que dividiu o crédito com Darwin na comunicação de resultados, em 1858, à Linnean Society de Londres e logo a seguir publicaram-nos na revista dessa sociedade sob o título “On the tendency of species to form varieties; and on the perpetuation of varieties and species by natural means of selection”. Apesar de dividir o crédito dessa publicação, os dois autores elaboraram suas ideias de forma independente, sem se conhecer, o que só vem acontecer um ano antes da publicação, em 1857. Ambos compartilham fontes inspiradoras, como o conhecimento geológico da época e as publicações de Thomas Malthus. Ao contrário do que muitos dizem, as ideias de Wallace não eram completamente iguais às de Darwin. Eram muito parecidas, sim, mas uma análise mais detalhada daria conta de diferenciá-las, o que não é meu objetivo. Estou aqui para fazer justiça à importância de Wallace para a construção do corpus de conhecimento científico acerca da Evolução Biológica. Entretanto, devemos admitir que, não somente os dois naturalistas, mas muitos outros autores cogitaram a possibilidade de transformação das espécies por um processo de seleção natural, como o próprio Darwin reconheceu em prefácios posteriores do seu livro Origem das espécies.

Se lermos os artigos publicados pelos dois naturalistas em 1858, veremos que é clara a referência à luta pela existência que existe na natureza, onde o indivíduo melhor adaptado sobrevive e deixa descendentes, enquanto que o menos adaptado deve sucumbir e sua variedade ou espécie entrar posteriormente em extinção. Entretanto, dez anos depois, em 1868, Darwin remete uma carta a Wallace expondo uma divergência: “Eu penso que nós partimos de noções fundamentais de herança diferentes”.

Ou seja, assim como Charles Darwin, Wallace acreditava que a seleção natural atuava somente no sentido de preservar as variações que fossem benéficas para o organismo. Entretanto, isso não implicava em qualquer lei que preconizasse um progresso na organização dos indivíduos, como supunha Lamarck na primeira lei que aparece na sua teoria da progressão dos animais, que falamos lá em cima. Poderia ocorrer muitas vezes um avanço na organização, porém nem sempre, pois muitas vezes formas com organização mais simples permaneciam na natureza, como Wallace exemplificou através do caso da serpente que teria se desenvolvido a partir de algum tipo de lagarto que perdera seus membros (o que procede, na verdade, mas não pelos pressupostos levantados por Lamarck).

Essa ideia é muito importante e permanece viva até hoje. A evolução biológica como preconizamos atualmente não vê direcionalidade, no sentido de "melhoria", muitas vezes os organismos podem diminuir de tamanho ou de complexidade com o decorrer da evolução, como vemos no caso de morcegos microquirópteros e parasitas intracelulares. Evolução não significa progresso, mas mudança ao longo do tempo. Seja lá qual mudança for.

Essa é mais uma evidência de que nem Darwin nem Wallace eram homens que tiraram uma teoria científica das respectivas cartola. Eles tinham base no conhecimento e correntes filosóficas que já vinham sendo construídas há alguns anos e o fato de terem chegado à conclusões muito semelhantes acerca da evolução biológica mostra que o contexto é muito determinante para o surgimento de determinadas ideias. A Evolução Biológica só surge como teoria por que seu tempo permite e se Charles Darwin tivesse nascido 150 anos antes do que nasceu, não estaríamos falando dele como um dos principais nomes da teoria da evolução biológica por meio da seleção natural.

Esse conteúdo foi inspirado no artigo de Carmo e Martins (2006) e Carmo, Bizzo e Martins (2009).

Charles Darwin era ateu?
Apresentei aqui muitas controvérsias que ocorreram na época e como a Teoria da Evolução Biológica proposta por Darwin estremeceu paradigmas sobre a concepção de tempo geológico, perfeição da natureza, modificação das espécies e seus mecanismos. A chaga é carregada até hoje. Em países como a Turquia, grupos islâmicos ameaçam de morte alguns biólogos evolucionistas e propõem leis para banir das escolas o conceito de seleção natural. No Brasil não é diferente. O PL 8099/2014, de autoria do Deputado Pr. Marco Feliciano é autoexplicativo em relação ao meu argumento. Leia aqui

Charles Darwin viveu em uma sociedade fortemente marcada pela religiosidade, tendo inclusive, estudado Teologia em Cambridge. Seu mentor na universidade, John Henslow, que foi o homem que o convidou para embarcar no HMS Beagle, era um clérigo. Quando publicou "A Origem das Espécies", em 1859, sua fé se tornou assunto público. Depois, outros livros também muito importantes foram publicados e estremeciam novamente as relações públicas da igreja católica, que dominava o sistema sócio-político vigente. O jovem advogado Francis McDermott, exigiu uma resposta clara – “sim ou não”– via carta, sobre se o naturalista acreditava no Novo Testamento, e prometeu não tornar a sua resposta pública.
Então, 2 anos antes de morrer, em 1880, Charles Darwin remete uma resposta, com os seguintes ditos: “Lamento ter de informá-lo que não acredito na Bíblia como revelação divina e, portanto, tampouco em Jesus Cristo como o filho de Deus. Atenciosamente. Ch. Darwin”. A carta original você pode ver ao lado. Ela foi leilada em 2015 junto com outros objetos e escritos do autor. Darwin, portanto, não era exatamente ateu, já que ele não negou a existência de Deus. O que ele faz, através da carta, é negar a fé cristã, não declarar-se ateu.

O Legado de uma Ideia

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Evidências da Evolução

Então, como já disse antes, a Teoria da Evolução e diversos dos seus mecanismos são constantemente reafirmados através de diversos outros estudos, e isso os torna mais consistentes. Eu separei aqui um material muito bacana do CEDERJ, sobre diversas evidências que corroboram a Teoria da Evolução. Vale muito a pena a leitura, só clicar no PDF ao lado!

História da Evolução

Outro site bacana para quem quer complementar os conhecimentos acerca da história do pensamento evolutivo é o "Entendendo a Evolução", da USP. Clica no link pra ser direcionado!

Motores da Evolução

Os motores e mecanismos da evolução

O que entendemos hoje como Teoria Sintética da Evolução Biológica é baseado na contribuição de muitos cientistas, dentre eles, os que estudamos aqui e outros que vieram depois, como J. B. S Haldane, Ronald Fisher, Sewall Wright e Stephen Jay Gould. A maioria deles, geneticistas, já que a principal mudança nas concepções evolutivas que tínhamos entre o final do século 19 e início do século 20 é a adição de noções de Genética. Ou seja, a teoria sintética, também conhecida como neodarwinismo, considera que as mutações, combinações gênicas e seleção natural são os fatores preponderantes no processo de evolução. Ou seja, as variações que os autores do século 19 tanto especulavam agora têm uma causa bem definida: mutações e recombinação. Esses, são os que gosto de chamar de "motores da evolução".

O que faz as espécies evoluírem? Mudar. Como elas mudam? Através de modificações no seu material genético, que determina a construção e funcionamento de todas as partes de um organismo. É a variabilidade genética que torna a evolução possível. De onde as mudanças no material genético vêm? Uma primera fonte é a mutação gênica, que é um evento sempre aleatório, embora possa ser estimulado por algumas substâncias e radiação. Estou falando aqui de alterações na sequência de nucleotídeos do DNA ou de mudanças até mesmo estruturais nos cromossomos. Nem sempre a mutação produz algum efeito mas, se produzir, passará pelo escrutínio impiedoso da seleção natural.

Outra forma de produzir variabilidade genética é através da recombinação, que ocorre sempre associado à reprodução sexuada. Ou seja, o fato do macho e da fêmea produzirem gametas com metade do número cromossomos e a combinação desses dois gametas gerar um indivíduo novo, nos diz, na verdade, que esse novo organismo é uma novidade genética, um indivíduo único, sem nenhum outro igual. Isso ocorre por que a seleção de quais cromossomos vão compor a metade direcionada para cada gameta varia. No nosso caso, cada pessoa a capacidade de produzir 8.388.608 de gametas com conteúdos genéticos diferentes. Além disso, associado ao processo de meiose, que produz os gametas, ainda pode acontecer o evento de crossing-over, que aumenta ainda mais esse número e, consequentemente, as combinações genéticas possíveis na prole. Você pode entender isso melhor se ler a seção de Divisão Celular. Organismos assexuados também podem agregar variabilidade genética através de eventos de transferência horizontal de genes, que eu explico aqui.

Se você perceber, a descendência com modificação, uma ideia-chave do pensamento evolutivo, é visível. Como já devia ter ficado claro, cada nova geração de uma população, apesar de muito semelhante aos pais, possui pequenas diferenças que surgiram na sua existência através de mutações e combinações (já falamos disso em Genética). Na foto ao lado podemos ver joaninhas da mesma espécie, que possuem uma variabilidade grande no fenótipo que determina os tons de laranja-vermelho o padrão de pintas. Essa variabilidade, que aqui é muito visual, também existe a nível genético para vários outros tipos de características. 

O que essa variação tem a ver com a evolução, afinal? É que essa produção contínua e aleatória de formas geneticamente distintas de organismos em uma mesma espécie é o que geram mudanças de comportamento, cores, processos bioquímicos, produção dessa ou daquela proteína e tantas outras características fenotípicas. Quem define, portanto, se as características que surgiram são benéficas ou maléficas à vida e sobrevivência daquele organismo? O ambiente. Por isso: seleção natural

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Esse 'excesso de pele' foi uma característica positivamente selecionada nesse sapinho, que vive no Lago Titicaca, entre o Peru e a Bolívia. A altitude nessa região chega a aproximadamente 4.000 m e como os sapos fazem respiração cutânea (através da pele), uma maior quantidade de pele está relacionada a uma maior efetividade nesse processo e uma maior disponibilidade de oxigênio para compensar a baixa pressão desse gás devido à altitude.

Tipos de Seleção Natural

Então, a seleção natural sempre tem o mesmo princípio, que acabei de explicar. Agora, o tipo de fenótipo que é favorecido pode ter algumas características específicas dependendo da pressão ambiental, o que faz com que reconheçamos alguns padrões de seleção natural. Ou seja, a seleção natural pode alterar a distribuição da frequência de caracteres herdáveis de três maneiras, dependendo de quais fenótipos são favorecidos na população. Esses três modos de seleção são chamados de seleção direcional, seleção disruptiva e seleção estabilizadora.

A seleção direcional ocorre quando as condições favorecem indivíduos que exibem um extremo de uma faixa fenotípica, deslocando assim a curva de frequência do caráter fenotípico em uma direção ou outra. Ou seja, vamos supor que o fenótipo "cor da pelagem" de ratos seja gradativa. Isso quer dizer que entre o extremo branco e o extremo preto existem alguns tons de cinza. Não chega a ser 50 tons, mas alguns apenas. Caso a cor mais escura seja uma melhor adaptação ao meio que esses ratos vivam, a tendência é que essa característica confira uma melhor chance de sobrevivência, fazendo com que ela se torne cada vez mais frequente na população. Ou seja, a população evoluída vai conter mais indivíduos escuros do que a população original. Esse fenótipo sofreu um direcionamento para a cor mais escura. A seleção direcional é comum quando o ambiente de uma população muda ou quando membros de uma população migram para um novo (e diferente) hábitat.

Em um exemplo prático, já foi observado que um aumento na abundância relativa de sementes grandes sobre sementes pequenas levou ao aumento do comprimento do bico em uma população de tentilhões nas Ilhas Galápagos.
A seleção disruptiva ocorre quando as condições favorecem indivíduos nos dois extremos de uma faixa fenotípica em detrimento de indivíduos com fenótipos intermediários. Ou seja, pra ficar no nosso exemplo hipotético dos ratos, é como se ratos em tons de cinza fossem desfavorecidos e ratos mais brancos e mais pretos fossem favorecidos. Agora um exemplo real: na população do tentilhão africano da República dos Camarões, existem dois tamanhos de bico muito diferentes. As aves de bico pequeno se alimentam principalmente de sementes macias, e as de bico grande se especializaram em quebrar sementes duras. Aparentemente as aves com bicos intermediários são relativamente ineficientes para quebrar os dois tipos de sementes e, portanto, têm menor valor adaptativo relativo.
A seleção estabilizadora é justamente o contrário da situação anterior. Atua contra os dois fenótipos extremos e favorece os fenótipos intermediários. Esse modo de seleção reduz a variação e tende a manter o status quo de um caráter fenotípico particular. No exemplo hipotético dos ratos, aqueles com tons intermediários de cinza seriam cada vez mais frequentes na população enquanto as cores mais extremas (branco e preto) seriam desfavorecidas. Um exemplo real: o peso ao nascer da maioria dos bebês humanos está na faixa de 3 a 4 kg; bebês muito menores ou muito maiores têm taxas mais altas de mortalidade.

Você deve ter percebido, que independente do padrão que a gente observa no modo de seleção, o mecanismo básico continua o mesmo. A seleção favorece indivíduos cujos caracteres fenotípicos herdados promovem alto sucesso reprodutivo em comparação a caracteres de outros indivíduos, a diferença é que tipos de fenótipos são esses? É isso que diferencia esses padrões de seleção que vimos acima. Mas a seleção natural tem mais mecanismos, que foram sendo desvendados ano após ano mediante estudos da área da Biologia Evolutiva.

Seleção Sexual

Quando passamos pela história do pensamento evolutivo, no início dessa seção, comentei que Darwin e Wallace tinham divergências em relação a alguns mecanismos da seleção natural. Um deles, sem dúvidas era a seleção sexual e como as características relacionadas à procura de parceiros e diferenças entre machos e fêmeas são selecionadas pela natureza. A seleção sexual consiste justamente nisso: uma forma de seleção natural em que os indivíduos com certas características herdadas obtêm parceiros mais facilmente. Ou seja, é a seleção natural de características ligadas à conquista e à sedução! importante frisar: a seleção sexual funciona exatamente da mesma forma que a seleção natural. Se trata da mesma coisa, só que com o olhar mais direcionado para as características que estão ligadas ao fitness sexual.

O mais bacana é que Wallace estava corretíssimo ao crer que a seleção sexual pode gerar dimorfismo sexual. Uma vez que são os machos aqueles empenhados na conquista, é comum que a seleção natural atue mais frequentemente sobre as características sexuais neles. Por isso, é muito comum que quando o dimorfismo sexual é bem proeminente, as fêmeas sejam cinzas e sem graça e os machos, coloridos e adornados. Na galeria acima, deixei algumas imagens de animais da mesma espécie, mas de sexos diferentes, lado a lado.

Como ocorre a seleção sexual? De duas principais maneiras:

Na seleção intrassexual, ou seja, dentro do mesmo sexo, indivíduos de um sexo competem diretamente por parceiros do sexo oposto. Em muitas espécies, ocorre seleção intrassexual entre machos. Por exemplo, um único macho pode controlar um grupo de fêmeas e impedir que outros machos cruzem com elas. O macho dominante pode defender o seu posto derrotando em lutas contra machos menores, mais fracos e menos violentos. Mais comumente, esse macho é o vencedor psicológico em rituais de combate que desencorajam competidores em potencial, mas evitam o risco de ferimentos capazes de afetar seu próprio valor adaptativo. Deixei ao lado um vídeo que mostra isso acontecendo em dragões-de-komodo!
A seleção intrassexual também tem sido observada entre fêmeas de algumas espécies, como trago nos outros dois vídeos ao lado. um detalhe interessante é que a seleção intrassexual pode se dar até mesmo a nível celular. Pense no espermatozóide. Em algumas espécies é comum a fêmea copular com mais de um macho durante seu cio. Com isso, aquele que tiver espermatozóides mais ágeis, com melhores capacidades bioquímicas de ultrapassar a barreira bioquímica do ovócito será aquele com mais sucesso reprodutivo.

Na seleção intersexual, também chamada de escolha de parceiro, indivíduos de um sexo (geralmente as fêmeas) são cuidadosos ao selecionar parceiros do sexo oposto. Em muitos casos, a escolha da fêmea depende da exibição da aparência e comportamento dos machos. "O que intrigou Darwin com respeito à escolha de parceiros foi que a exibição dos machos parece não ser adaptativa sob outros prismas e inclusive talvez imponha certos riscos. Por exemplo, as penas brilhantes talvez tornem machos de aves mais visíveis a predadores. Mas se essas características ajudam o macho a conseguir parceiras e se esse benefício contrapõe o risco de predação, então as penas brilhantes e a preferência da fêmea serão reforçadas porque aumentam o sucesso reprodutivo em geral". A questão que é um motivo de dúvida até hoje é justamente se o fato dessas cores tornarem a vida do macho mais perigosa, não pode acabar sendo uma demonstração para a fêmea, de que ele consegue lidar com o perigo e, mesmo assim, sobreviver. Por outro lado, as cores podem ter a função oposta? Talvez funcionar como coloração de alerta e acabar afastando os predadores? O que sabemos é que algumas espécies de aves, por exemplo, possuem penas coloridas por baixo de penas mais sem graça. Assim, podem exibir as coloridas somente na hora da sedução. 

Como as preferências das fêmeas por certas características dos machos evoluíram inicialmente? Uma hipótese é que as fêmeas preferem caracteres masculinos correlacionados com “genes bons”. Se a característica preferida pelas fêmeas é um indicativo da qualidade genética dos machos, essa característica do macho e a preferência da fêmea por ela devem aumentar em frequência.

A figura abaixo é muito interessante. Ela descreve um experimento testando essa hipótese na rã-arborícola Hyla versicolor. Outros pesquisadores demonstraram que em várias espécies de aves as características preferidas por fêmeas estão relacionadas com a saúde do macho. Aqui também a preferência da fêmea parece basear-se em características que refletem “genes bons”; no caso, alelos indicativos de um sistema imune robusto.

Seleção dependente de frequência

Normalmente a seleção natural atua selecionando a característica mais vantajosa, o que a torna, por consequência, mais frequente. Entretanto, ela também pode atuar de forma a prejudicar o fenótipo mais frequente (aquela aparência da maioria da população), independente de qual seja ele. Ou seja, o valor adaptativo de um fenótipo depende do quão comum ele é na população. É variável. E o incrível é que isso acontece num espaço de tempo minúsculo para a escala evolutiva: meses, um ano, poucos anos. 

Pra ficar num exemplo real, vamos considerar a espécie de peixe Perissodus microlepi. Ele vive no Lago Tanganica, segundo maior da África. Esses peixes atacam outros peixes por trás com o objetivo de remover algumas escamas da lateral do corpo da presa. Só que alguns têm a boca mais voltada para o lado esquerdo, outros, para o lado direito, como mostra a imagem. Essa simples variação genética, que produz esses dois fenótipos, faz com que os peixes tenham hábitos de ataque diferentes. Os que tem a boca voltada para a esquerda atacam a presa pelo lado direito. O contrário também ocorre. Aí, vamos supor que no momento a frequência fenotípica do peixe com a boca voltada para a esquerda esteja em alta, tenha muitos organismo com essa característica, em detrimento de poucos com a boca voltada para a direita. As presas ficam atentas ao ataque do peixe cujo fenótipo é mais comum no lago. Assim, de ano a ano, a seleção favorece o fenótipo de boca menos comum, já que elas vão ter uma facilidade maior para caçar devido à falta de atenção da presa para aquele lado. 

Por isso, a frequência de peixes com a boca deslocada para esquerda ou direita oscila ao longo do tempo, e a seleção balanceada (devido à dependência de frequência) mantém a frequência de cada fenótipo perto de 50%. O gráfico ao lado deixa explícito isso que acabei de explicar.

Normalmente, para funcionar a seleção natural deve atribuir uma desvantagem em ser o fenótipo mais frequente. Sendo assim, quem quer que esteja nesse posto, tende a ceder a cadeira para o outro fenótipo e assim sucessivamente, de forma cíclica. O interessante é que a seleção dependente de frequência, quando favorece o fenótipo mais raro, evita que ele desapareça, seja lá qual for. Isso faz com que a diversidade da população seja mantida.

 

Pulgão preso em tricomas (estruturas vegetais parecidas com "pelos") em folha da batata

Coevolução

O termo coevolução pode ser definido como uma resposta evolutiva recíproca entre populações, quando essas populações estão interagindo, com o passar do tempo elas vão evoluindo em resposta às características da outra que afetam o seu ajustamento evolutivo. Em outras palavras, pode também ser entendido como a evolução mediante relações ecológica, sejam harmônicas ou desarmônicas. No primeiro caso, a tendência coevolutiva é de convergência, fazendo com que características que tornem as duas espécies mais intimamente relacionadas sejam selecionadas. No caso de relações ecológicas desarmônicas, a tendência evolutiva é de se estabelecer uma 'corrida armamentista', no caso de interações competitivas ou parasíticas, por exemplo.

A relação entre insetos e plantas são relações muito presentes na natureza, sejam elas favoráveis ou não. É comum vermos estes grupos associados em ocasiões como: dispersão de sementes, polinização, herbivoria e ovoposição (isto é, fazer postura de ovos nas plantas). Entretanto, relação entre insetos e plantas não são os únicos exemplos notáveis de coevolução. Podemos falar da relação entre parasitas e hospedeiros, ou entre presas e predadores (comumente apelidada de "corrida armamentista"). Todas essas relações, se forem se tornando mais específicas, promovem um direcionamento recíproco da evolução dos pares ou, como estamos chamando, coevolução. Mas vale ressaltar algo importante aqui: até onde estamos considerando, a evolução não é direcionada pelos indivíduos. Isto é, os motores da evolução (como a variabilidade genética, mutações) são eventos aleatórios e o direcionamento vai ocorrendo apenas através do ambiente, da seleção natural, conforme já explicamos acima. Então, em tese, quanto mais forte for a competição ou predação, mais fortemente serão selecionadas características que eventualmente surgirem e que ofereçam ao lado em desvantagem, alguma possibilidade de afetar seu algoz. Vamos exemplificar alguns casos: 

1) Polinização

Os insetos, que são animais invertebrados, já existiam no ambiente terrestre há pelo menos 400 milhões de anos. As primeiras flores surgem há 140 milhões de anos (bem mais recentes) e hoje, até onde conhecemos, são dependentes de um agente polinizador para completar sua reprodução (relação de polinização). O sucesso evolutivo das angiospermas (plantas com flores) é algo assustador: é o grupo mais recente de plantas e o mais predominante. Charles Darwin mesmo já sugeriu que tamanho sucesso poderia ser devido à este processo. Ele era apaixonado por orquídeas e viu em uma espécie (Angraecum sesquipedale) algo curioso: ela possuía um nectário localizado entre 25 e  30 cm da superfície da flor. Como algum inseto poderia polinizar uma planta com nectário tão profundo e estreito?

Darwin previu que deveria haver algum animal com uma probóscide tão longa quanto, capaz de alcançar o nectário. Hoje, conhecemos o responsável: uma mariposa chamada Xanthopan morganii praedictae, que possui uma espirotromba (aparelho bucal) de até 30 cm de comprimento. Ah, o último nome foi dado em homenagem a Darwin, que predisse, com muita acurácia, a existência deste animal mesmo antes dele ser conhecido pela ciência. Veja o vídeo no link ao lado! Claro que não é uma mera coincidência entre o tamanho do nectário e da espirotromba da mariposa. Este processo de coevolução, levou a um ajuste cada vez mais fino, do tamanho das duas estruturas e hoje, a mariposa é a única polinizadora desta orquídea, enquanto a planta é a única fonte de açúcar deste inseto! Em termos gerais, quanto mais antiga uma relação, mais específica ela tende a se tornar.

2) Defesas contra postura de ovos e herbivoria e "Corrida Armamentista"

Existem vários tipos de estratégias que plantas possuem contra predadores herbívoros ou animais que colocam ovos nas suas estruturas (borboletas, etc).

Algumas espécies de plantas, por exemplo, produzem substâncias químicas voláteis (que evaporam facilmente) para atrair o predador natural daquele inseto que está prejudicando a planta. Algumas produzem substâncias repelentes, como a tomatina. Outras espécies possuem modificações físicas de defesa contra predadores (espinhos e tricomas). Ainda, há espécies que produzem substâncias ovicidas (como o benzoato de benzila). Todas estas estratégias foram evolutivamente selecionadas em diversos grupos vegetais por auxiliar na superação ou na redução de danos causados pela herbivoria e/ou ovoposição, mas nem de longe estratégias como estas são exclusividade do reino vegetal. Outros sistemas predador/presa, envolvendo animais, também têm se engajado em "corridas armamentistas". Para entender por que é dado este nome, é só pensarmos na corrida armamentista da Guerra Fria, por exemplo. Nela, os países brigavam para sempre superar o outro no potencial bélico. No munto natural, "muitos moluscos, como os caracóis Murex, desenvolveram conchas grossas e espinhas para evitar serem comidos por animais como caranguejos e peixes. Esses predadores, por sua vez, evoluíram poderosas garras e mandíbulas para compensar a concha grossa e as espinhas dos caracóis". Desta forma, muitas estruturas são selecionadas por conferir determinada vantagem para a presa ou para o predador, ficando este temporária e discretamente "à frente" nesta corrida armamentista.

Deriva

Deriva Genética, um mecanismo evolutivo independente da Seleção Natural

Como ficou demonstrado a partir da ampliação do estudo da Genética de Populações, a seleção natural não é o único mecanismo evolutivo. Como já dissemos, a seleção natural preconiza uma escolha de características que surgem aleatoriamente nos organismos vivos, se elas melhoram sua capacidade de lidar com as pressões e limitações que estão colocadas no ambiente. Já no mecanismo de deriva genética, também vemos mudanças genéticas na população, mas ele é aleatório, não sendo guiado pelo efeito dessas mudanças na vida e sobrevivência desses organismos. Ou seja, os traços mais adaptados ao ambiente não influenciam na chance daquele organismo sobreviver e se reproduzir.

Mas como isso é possível? Considere o exemplo ao lado. Você tem uma população de coelhos com 10 indivíduos, onde as frequências dos alelos dominante e recessivo são iguais. Ou seja, não existe predominância da frequência de nenhum dos dois. Existem tantos /B/ quanto /b/. No caso, existem mais coelhos marrons, por que essa cor é determinada pelo heterozigoto /Bb/, além do homozigoto /BB/. Entretanto, se eu te disser que os coelhos brancos podem desaparecer mesmo que a cor não tenha nenhuma relação com a capacidade de sobreviver desse coelho? Isso seria inexplicável pela ótica da seleção natural e, por isso, o mecanismo de Deriva Genética é importante.

Seu principal ponto é a aleatoriedade. Pense que na primeira geração, temos dez coelhos, oito marrons e dois brancos. E se somente os coelhos circulados em vermelho se reproduzissem entre si, por mero acaso? A segunda geração de coelhos teria uma frequência maior do alelo B do que a primeira. Vamos continuar nos baseando em eventos aleatórios. Se, dentre os coelhos da segunda geração, somente os circulados se reproduzissem entre si? Nesse caso, todos os coelhos da terceira geração seriam marrons e os brancos seriam eliminados da população. A razão para isso ter acontecido não tem nada a ver com a capacidade dos brancos de sobreviver ser inferior à dos marrons e, por isso, não pode ser explicada pelo mecanismo da seleção natural.

Aí você pode me perguntar: por qual motivo os outros coelhos não se reproduziriam e ficar assistindo os outros copularem e darem a luz à sua prole? Ué, nem sempre os organismos têm a oportunidade de acasalar e, às vezes, por causas aleatórias, que não tem nada a ver com a capacidade do organismo de sobreviver, ele pode vir a morrer. Além disso, ele pode até ter conseguido copular e gerar uma prole, mas e se o ninho caiu e a prole morreu? Sei lá, podemos ficar a noite toda aqui pensando em causas aleatórias, mas a verdade é que elas existem e são a base do que chamamos de mecanismo evolutivo da Deriva Genética.

Para o mecanismo de Deriva Genética, o tamanho da população importa. 
Por exemplo, se seguíssemos uma população de 1000 coelhos (em vez de 10), seria muito menos provável que o alelo b fosse perdido (e que o alelo B alcançasse 100% de frequência após um período tão curto de tempo. Se apenas metade da população de 1000 coelhos sobrevivesse e se reproduzisse, como a primeira geração do exemplo acima, os coelhos sobreviventes (500 deles) tenderiam a ser uma representação muito mais precisa das frequências alélicas da população original - simplesmente porque a amostra seria muito maior. Então, a deriva atua em todo tipo de densidade populacional, mas tende a atuar mais fortemente em populações pequenas.

Além disso, é importante entender que a Deriva Genética, por ser aleatória, pode favorecer a fixação de uma característica desvantajosa para o organismo ou do desaparecimento de uma característica vantajosa. Também importante lembrar que a Deriva Genética é um mecanismo evolutivo. Ou seja, a evolução também tem seu dedinho no acaso. 

Efeito Gargalo

As vezes pode ocorrer um evento extremo em algum local (terremoto, enchente, incêndio e desabamento), que pode ser causado por ação humana ou por eventos naturais. Normalmente, esses eventos reduzem as populações de uma comunidade a poucos indivíduos. E claro, não podemos interpretar que os sobreviventes seriam mais adaptados que os mortos, pois dificilmente a seleção natural vai favorecer características que tornem os animais mais adaptados a eventos extremos. Os eventos extremos são, como o nome sugere, extremos e por isso costumam ser incomuns. A seleção natural trabalha muito mais constantemente com pressões ambientais constantes ou sazonais. Entendido isso, podemos tranquilamente tirar a seleção de 'quem vive e quem morre' num evento extremo/catastrófico do escopo da seleção natural e atribuir isso ao acaso, logo, à Deriva Genética.

Algumas coisas podem acontecer num caso como esse, que mudariam a composição genética da população sobrevivente em relação à população anterior. Primeiro, dependendo de quem sobreviver (aleatóriamente), algumas mutações e variações que estavam sendo carregada pelos indivíduos mortos se perdem, já que a composição genética dos sobreviventes aleatórios é, agora, a composição genética de toda a população. Além disso, a população menor também será mais susceptível aos efeitos da deriva genética por gerações (até que seus números retornem à normalidade), potencialmente causando a perda de mais alelos ainda, como verão no quadro azul abaixo.

Efeito Fundador

Vamos considerar uma população original de aves, representada pelo conjunto ao lado. Cada indivíduo é uma bolinha dentro do círculo. A população tem uma diversidade genética relativamente alta, que ilustrei com as várias cores das bolinhas. Isso significa que, apesar da mesma espécies, os indivíduos dessa população possuem certas diferenças genéticas.

Supondo que um pequeno grupo se separe da população maior e faça uma migração para outro território. Esse pequeno grupo emigrante talvez estabeleça uma nova população em outro lugar, mas temos que observar que o pool gênico irá ser diferente da população de origem. Isso se chama efeito fundador.

O efeito fundador também pode ocorrer, por exemplo, quando alguns membros de uma população são levados por uma tempestade até uma ilha. A deriva genética – em que eventos ao acaso alteram a frequência alélica – ocorre nesse caso porque a tempestade transporta indiscriminadamente alguns indivíduos (e, junto, seus alelos), mas não outros da população de origem. É provável que o efeito fundador seja responsável pela frequência relativamente alta de algumas doenças hereditárias entre populações humanas isoladas.

Posso dar um exemplo prático. Em 1814, quinze colonizadores britânicos fundaram uma colônia em Tristão da Cunha, um grupo de pequenas ilhas no Oceano Atlântico, localizadas entre a África e a América do Sul. Clica AQUI pra eu te mostrar rapidinho onde é esse lugar (kkkk). Aparentemente, um dos colonizadores era portador do alelo recessivo para retinite pigmentosa, forma de cegueira progressiva que atinge indivíduos homozigotos. De um total de 240 descendentes dos colonizadores da ilha, quatro tinham retinite pigmentosa no final da década de 1960. A frequência do alelo que causa essa doença é dez vezes mais alta em Tristão da Cunha do que nas populações das quais os colonizadores se originaram. O efeito fundador e o efeito gargalo são casos nos quais uma população pequena é formada a partir de uma população maior. Essas "amostras" da populações geralmente não representam a diversidade genética da população original, e seus tamanhos reduzidos indicam que vão experimentar forte deriva por gerações.

Resuminho rápido, pra você não se perder.

Evolução significa mudança através do tempo. Essas mudanças, a que nos referimos, são mudanças genéticas, que podem surgir tanto através de mutações quanto através recombinação e crossing-over. Esses fatores introduzem variabilidade genética nas populações, que é o requisito básico para evolução acontecer. Portanto, as populações possuem uma certa diversidade genética interna, o que chamamos de pool gênico. A evolução pode atuar de três formas para selecionar características na população. é o que chamamos de mecanismos evolutivos. O primeiro é a seleção natural, que age selecionando as características mais favoráveis, que tornam o organismo mais adaptado a determinado ambiente e consequentemente aumenta suas chances de sobrevivência e de se reproduzir, fazendo com que essa característica seja, geração após geração, mais frequente no pool gênico da população. O segundo é a deriva genética, que é o efeito do acaso. Ao contrário da seleção natural, a deriva genética não depende dos efeitos benéficos ou prejudiciais dos alelos. Em vez disso, a deriva altera as frequências alélicas puramente ao acaso, já que subconjuntos aleatórios de indivíduos (e os gametas desses indivíduos) são amostrados para produzir a próxima geração. Toda população experimenta deriva genética, mas populações pequenas sentem seus efeitos mais fortemente. A deriva genética não leva em consideração o valor adaptativo de um alelo para a população, e pode resultar na perda de um alelo benéfico ou na fixação de um alelo prejudicial em uma população. O efeito fundador e o efeito gargalo são casos nos quais uma população pequena é formada a partir de uma população maior. Essas "amostras" da populações geralmente não representam a diversidade genética da população original, e seus tamanhos reduzidos indicam que vão experimentar forte deriva por gerações.

Deriva Genética na prática

Separei um exemplo interessante para que vocês vejam como, em uma situação prática, o efeito gargalo e a deriva genética. Milhões de tetrazes-das-pradarias (Tympanuchus cupido) viviam nas pradarias do estado de Illinois, Estados Unidos. À medida que essas pradarias foram sendo convertidas em lavouras e pastagens cultivadas ao longo dos séculos XIX e XX, o número de tetrazes-das-pradarias diminuiu consideravelmente, por perda de habitat.

Em 1993, existiam menos de 50 indivíduos, uma população bem restrita. As poucas aves que sobreviveram apresentavam baixos níveis de variabilidade genética e menos de 50% dos seus ovos eclodiam, em comparação com taxas de eclosão muito mais altas observadas em grandes populações do Kansas e Nebraska.

Esses dados sugerem que a deriva genética durante o efeito gargalo tenha levado à perda de variabilidade genética e ao aumento da frequência de alelos deletérios relacionados ao desenvolvimento dos fetos. Para investigar essa hipótese, pesquisadores extraíram DNA de quinze espécimes de museu dessa população de Illinois. Das 15 aves, 10 haviam sido coletadas na década de 1930, quando a população em Illinois somava 25.000 indivíduos e cinco foram coletadas na década de 1960 quando havia 1.000 aves dessa população em Illinois. Estudando o DNA desses espécimes, os pesquisadores conseguiram obter uma estimativa mínima da variabilidade genética da população antes da sua queda acentuada.
Essa estimativa mínima é uma peça-chave da informação que normalmente não está disponível nos casos de efeito gargalo de uma população. Os pesquisadores investigaram seis locus gênicos e descobriram que a população de Illinois de tetraz-das-pradarias em 1993 tinha menos alelos por locus do que as populações de Illinois de antes do efeito gargalo e do que populações atuais de Kansas e Nebraska. Ou seja, tinha menos variabilidade do que a população anterior e também do que as populações atuais da mesma espécie, localizadas no Kansas e Nebraska. Então, como foi previsto, a deriva reduziu a variabilidade genética da pequena população de 1993. A deriva também talvez tenha aumentado a frequência de alelos deletérios, levando ao baixo índice de eclosão dos ovos. 

A deriva também talvez tenha aumentado a frequência de alelos deletérios, levando ao baixo índice de eclosão dos ovos. Para contrapor esses efeitos negativos, 271 aves dos estados vizinhos foram adicionadas a população de Illinois durante um período de quatro anos. Essa estratégia foi bem-sucedida. Novos alelos entraram na população, e a taxa de eclosão melhorou em mais de 90%. Em resumo, estudos com o tetraz-das-pradarias de Illinois ilustram o efeito poderoso da deriva genética em pequenas populações e dão a esperança de que, pelo menos em algumas populações, esses efeitos possam ser revertidos.

Consequências comuns da Deriva Genética

Trouxe uma sistematização, baseada no Biologia de Campbell,  das consequências possíveis da Deriva Genética. Já falamos de algumas delas:
1. A deriva genética é significante em populações pequenas. Eventos aleatórios podem levar à ocorrência desproporcional de um alelo (acima ou abaixo da frequência normal) na próxima geração. Embora eventos ao acaso ocorram em populações de todos os tamanhos, eles alteram as frequências alélicas substancialmente apenas em pequenas populações.
2. A deriva genética pode causar mudanças ao acaso na frequência alélica. Um alelo talvez aumente em frequência em um ano e diminua no outro, devido à deriva genética. Essa mudança de um ano para o outro não é previsível. Assim, diferentemente da seleção natural, que, em dado meio, favorece alguns alelos sobre outros de modo consistente, a deriva genética leva à mudança ao acaso da frequência alélica ao longo do tempo.
3. A deriva genética pode levar à perda de variabilidade genética dentro das populações. Ao causar flutuações ao acaso na frequência alélica ao longo do tempo, a deriva genética pode eliminar alelos de uma população. Já que a evolução depende da variabilidade genética, essas perdas podem influenciar efetivamente na adaptação de uma população a uma mudança no ambiente. Ou seja, como a Deriva genética e a seleção natural atuam ao mesmo tempo nas populações e já que a Deriva Genética mexe no pool gênico, isso também mexe com o mecanismo de seleção natural.
4. A deriva genética pode levar alelos deletérios a se tornarem fixos. Alelos podem ser perdidos ou fixados totalmente ao acaso por meio da deriva genética. Em populações muito pequenas, devido à deriva genética, os alelos que são levemente danosos podem se fixar. Quando isso ocorre, a sobrevivência de uma população pode ficar ameaçada (como no exemplo do tetraz-das-pradarias de Illinois).

Fluxo Gênico

Como se não fosse suficiente, a recombinação, mutação e transferência horizontal de genes não são os únicos fenômenos que inserem modificações nas frequências gênicas de uma população. Ou seja, a composição genética de uma população (pool gênico) também pode ser afetada pelos cruzamentos que indivíduos dessa população realizam com indivíduos de outras populações da mesma espécie. E esse movimento, impulsionado pela migração de componentes dessas populações é essencial para inserir diversidade nas populações. 

Assim como a Deriva Genética, é entendido como um mecanismo ligado à aleatoriedade, já que a migração pode ser impulsionada por fatores que não têm necessariamente a ver com uma melhor adaptação à sobrevivência. Como os alelos são transferidos entre populações, o fluxo gênico tende a reduzir diferenças genéticas entre populações. De fato, dependendo da sua extensão, o fluxo gênico pode combinar duas populações em uma só com um pool gênico comum.Ou seja, vamos supor que seja MUITO frequente a comunicação e reprodução entre membros de duas populações diferentes; isso faz com que elas sejam, geneticamente, uma só. No extremo oposto, se duas populações da mesma espécie estiverem completamente isoladas reprodutivamente, ou seja, com fluxo gênico nulo, a tendência é que elas acumulem um conjunto de diferenças genéticas cada vez maior, podendo vir a se tornar até espécies diferentes. Entender o que é fluxo gênico é necessário para entender a especiação, que vamos tratar mais pra frente. 

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Por que a evolução não gera perfeição?

Se você ainda tem um apego com o viés criacionista que eu descrevi com cuidado lá no início, pode ser que você esteja pensando que todos esses processos evolutivos, tendo uma Mente Pensante ou não, tenda a produzir sempre organismos perfeitos. Ou seja, que a evolução caminha para gerar animais e plantas perfeitos. Não precisa disfarçar, todos nós somos atravessados pelo significado de evolução que é usado no senso-comum. Tipo "poxa, ele evoluiu muito, entrou na faculdade e está namorando uma moça direita". Evolução, no senso comum, é utilizado como sinônimo de melhora. Então, se algo é o ápice da evolução, ele deve ser o melhor e mais complexo organismo que já existiu. Certo? Errado. Tenho aqui algumas razões que justificam o porquê a evolução não gera perfeição. E mais do que isso, por que perfeição não é algo que sequer existe.

1 - Nenhum organismo é totalmente adaptado ao meio. A seleção natural conduz à adaptação, mas como vimos, nenhum organismo é completamente adaptado ao seu meio, visto que o ambiente sempre esteve e sempre estará em constante mudança. Mesmo que essas mudanças no ambiente sejam previsíveis, por não haver um 'Relojoeiro' por trás do processo evolutivo, ele não tem poder de antecipar o que vai acontecer, somente pode selecionar diante do que está acontecendo. Ou seja, a seleção natural atua somente em variações que surgem (o que é aleatório) e de acordo com as condições ambientais vigentes, nunca as pretéritas ou futuras. Portanto, nenhum organismo é 100% adaptado ao meio pois a seleção natural favorece apenas os fenótipos mais adaptados entre os que se encontram na população e que talvez não possuam as características 'ideais'. Ela trabalha em cima do que tem. Novos alelos vantajosos não surgem por necessidade, mas de forma completamente aleatória.
2. A evolução é limitada por dificuldades históricas. Cada espécie tem um legado de descendência com modificação de formas ancestrais. A evolução não descarta a anatomia ancestral e constrói novas estruturas complexas do início; mais do que isso, a evolução usa estruturas existentes e as adapta a novas situações. Podemos imaginar que se um animal terrestre estivesse adaptado a um ambiente em que voar fosse vantajoso, talvez fosse melhor crescer um par adicional de membros para servir como asas. No entanto, a evolução não trabalha dessa forma; em vez disso, atua em características que o organismo já tem. Assim, em aves e morcegos, um par de membros existentes preencheu a nova função de voar à medida que esses organismos foram evoluindo a partir de ancestrais que caminhavam. Por isso, as asas dos morcegos são órgãos homólogos aos braços de outros mamíferos.
3. Adaptações têm prós e contras. Não é exatamente correto dizer que ter pernas é melhor que ter nadadeiras, já que cada organismo tem de fazer diferentes coisas. Focas gastam parte do seu tempo nas rochas; elas poderiam caminhar melhor se tivessem pernas, em vez de nadadeiras, mas assim não conseguiriam nadar tão bem. Nós, seres humanos, devemos a maior parte da nossa versatilidade e capacidade atlética às nossas mãos preênseis e a nossos membros flexíveis, mas isso nos deixa vulneráveis a torções, ligamentos rompidos e membros deslocados: o reforço estrutural foi comprometido em prol da agilidade.

4. A evolução dos organismos vivos contam com um dedo do acaso. Como já vimos ao estudar Deriva Genética, eventos ao acaso podem afetar a história evolutiva das populações. Por exemplo, quando uma tempestade desloca aves e insetos por centenas de quilômetros pelo oceano até uma ilha, o vento não necessariamente transporta indivíduos mais adequados ao novo ambiente. Assim, nem todos os alelos presentes no pool gênico da população fundadora são mais adaptados ao novo ambiente do que aqueles deixados para trás. Além disso, o ambiente em determinado local talvez mude de maneira imprevisível de ano para ano, também limitando o quanto a evolução adaptativa resulta em uma relação próxima entre os organismos e as condições ambientais do momento. Com essas quatro restrições, a evolução não consegue projetar organismos perfeitos. A seleção natural opera com base na formação de populações “melhores” que as existentes. Podemos, de fato, observar evidências de evolução em muitos organismos imperfeitos que ela produz.

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Existe também a Seleção Artificial

A seleção artificial seria uma forma de selecionar indivíduos por características que não necessariamente representem alguma relevância para a sobrevivência da espécie, mas que possa interessar a um fim humano. É o caso de cães de raça e animais e plantas usados para fins alimentícios, como a soja, feijão, frutas, bovinos, aves, ovinos, caprinos e equinos. Deixo ao lado um vídeo humorístico que fala sobre essa relação de seleção artificial com os cães. Não se esqueça de ativar as legendas para o português. Pitbulls, cães "talhados" para terem mandíbula muito forte, assim como sua força física e estatura, foram assim selecionados para serem utilizados em rinhas de cães, por exemplo.

No caso de seres vivos destinados à alimentação humana (bovinos, aves, suínos, etc), o cruzamento "estratégico" é realizado para favorecer características específicas, como maior tamanho, alta lactação, crescimento mais rápido, etc. Características que favoreçam a indústria. Hoje em dia  a biotecnologia desenvolveu diversas tecnologias para selecionar geneticamente um rebanho: inseminação artificial, criopreservação (quediabéisso?) de gametas e embriões; superovulação e transferência de embriões; sexagem espermática (quê?) e embrionária e a fertilização in vitro (hã?) são exemplos. Isso deu abertura, por exemplo, para a transgenia, que seria uma forma de modificar estes indivíduos geneticamente para privilegiar determinadas características. Como consequência disso, Hoje em dia, não existem mais bois selvagens no Brasil. Todos os 220 milhões de cabeças de gado (pois é, tem mais boi do que gente no Brasil) têm algum grau de transgenia e os efeitos destas modificações para a saúde humana não são exatamente conhecidos.

E gente, transgênico TEM NADA A VER COM transgênero. Não confunda alhos com bugalhos (envelheci 30 anos agora). Transgênico também não é a mesma coisa que agrotóxico. Tem a ver mas não tem nada a ver. Vai lá no blog saber mais, vai.

Criopreservação: conservação de células ou tecidos por congelamento à temperaturas baixíssimas (-200ºC).

Sexagem espermática: descobrir o sexo que aquele espermatozóide vai gerar antes mesmo da fecundação. Através desse processo, as chances de gerar o sexo esperado é de 90%. Na forma natural é de 50%.

Fertilização in vitro é quando se realiza a fecundação de um óvulo e de espermatozóides fora do corpo da mãe (em laboratório, nesse caso) e depois, o zigoto é reinserido na mãe.

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Especiação

Como surgem novas espécies? Se todos nós tivemos um único ancestral comum, como corretamente previu Charles Darwin, ocorreram e ainda ocorrem milhões de eventos de especiação, que separaram espécies e grupos de seres vivos. Especiação é o nome desse processo, no qual percebemos novas espécies se gerando. Diferente do que vemos na cultura popular, evoluir é sim, mudar, mas a velocidade deste processo não está ao alcance dos nossos olhos. Então, quando o Greymon digievolve se no Digimon, ele se transforma em uma outra espécie em questão de segundos, mas na natureza o surgimento de novas espécies é um processo que pode demorar milhares ou milhões de anos. Essa velocidade varia de acordo com muitos fatores ambientais e genéticos.

Deixo um vídeo interessante sobre "a ilha das cobras", que é uma ilha povoada por mais de 15 mil serpentes, muitas delas endêmicas (isto é, que só existem naquele local). Como podem existir serpentes (animal que não nada nem voa) tão exclusivas em uma ilha? Bom, é colocado ali como principal causa para a especiação, o isolamento geográfico destas espécies. Mas ele não é a causa essencial. A principal razão é e sempre será o isolamento reprodutivo, que neste caso, ocorreu a partir de um isolamento geográfico. Vamos conhecer melhor os mecanismos de especiação, mas antes precisamos entender o que é isolamento reprodutivo!

Como o isolamento reprodutivo pode acontecer?

Esse é um assunto que tratamos com cuidado na seção de Organização do Mundo Vivo. Lá, tentamos definir o que delimita espécie, pois assim podemos saber quando (mais ou menos) duas populações de uma espécie se tornam duas espécies diferentes ou, pelo menos, duas subespécies. Resumidamente, o critério que se têm utilizado é a capacidade de se reproduzir, mas esse critério só abarca organismos com reprodução sexuada, que necessitam de um parceiro do sexo oposto para realizar a continuidade da espécie. Algo importante de esclarecer é que a ideia do que é uma espécie, é algo inventado pelos seres humanos para facilitar a classificação dos organismos e organização do mundo vivo. Portanto, vamos usar o conceito biológico de espécie, que basicamente se define pela impossibilidade de fluxo gênico. Ou seja, quando não conseguem cruzar ou cruzam mas não geram prole viável, são considerados espécies diferentes. Em outras palavras, visto que algumas espécies biológicas são definidas em termos de compatibilidade reprodutiva, a formação de novas espécies depende do isolamento reprodutivo enter duas populações – a existência de fatores biológicos (barreiras) que impedem os membros de duas espécies de produzirem prole viável e fértil. Se te parece fácil imaginar que cabras não podem cruzar com gaviões, talvez seja menos fácil imaginar que homo sapiens sapiens não possam cruzar com homo sapiens neandertalensis (o que de fato ocorreu). A barreira entre as espécies, sob o ponto de vista biológico, é embaçada. Existem algumas barreiras pré-acasalamento e algumas pós-acasalamento que impedem organismos de se reproduzirem. Entendemos que, ao se tratar da mesma espécie, nenhuma dessas barreiras existem, mas na medida em que as populações se distanciam geneticamente, algumas características podem inviabilizar a geração de descendentes viáveis e férteis.

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Como o isolamento reprodutivo diferencia as populações?

Pense que temos duas populações da mesma espécie, isoladas reprodutivamente. Ou seja, nenhum indivíduo da população A cruza com nenhum indivíduo da população B. A evolução não pára e as variações genéticas continuam surgindo, tanto na população A, quanto na B. O que acontece é que agora elas não compartilham mais essas modificações uns com os outros, nem produzem novas gerações com recombinações dessas características. Agora elas evoluem isoladamente e, como os mecanismos de surgimento de variabilidade são absolutamente aleatórios, é impossível que as variações que surgem no grupo A sejam as mesmas surgidas na população B. Ou seja, as características surgidas no A e no B não fazem parte do mesmo pool gênico. Com o passar do tempo, o acúmulo de modificações em A será diferente das modificações acumuladas por B e elas podem ser tão diferentes que isso cause alguma impossibilidade na geração de prole viável, caso voltem a se encontrar.

O cruzamento entre espécies diferentes gera indivíduos que são chamados de híbridos. Na maioria das vezes, híbridos são inférteis ou não sobrevivem até a idade reprodutiva, mas em alguns casos o híbrido é viável e, caso cruze com um outro híbrido do mesmo tipo, pode dar início à uma nova espécie. 

Mecanismos de Especiação

Muitas vezes fala-se do surgimento de uma espécie a partir de uma população que se separou de outra, se isolando geograficamente, mas isso não é o suficiente. A origem de uma nova espécie está ligada ao isolamento reprodutivo, como dissemos anteriormente, podendo haver ou não isolamento geográfico. Conhecemos dois principais mecanismos de especiação: alopátrica e simpátrica. O sufixo grego 'pátrico' faz referência à 'pátria', local. 'Alo' é um prefixo grego relacionado com separação; 'syn, o oposto disso: junção. Então, a alopatria é aquela especiação a partir do isolamento reprodutivo que é gerado por um isolamento geográfico. Ou seja, as populações se separam fisicamente e não se intercruzam mais. Isso pode acontecer por barreira física (vicariância) ou por migração de uma pequena população (efeito fundador). Na simpatria a especiação ocorre a partir do isolamento reprodutivo que é gerado por outros mecanismos, como diferenciação de habitat, seleção sexual ou poliploidia. Perceba que, como o nome dos mecanismos já nos adianta, o que os diferencia são as causas do isolamento reprodutivo: em uma, é o isolamento geográfico; em outa, são outras causas. Vou dar um exemplo de cada uma pra ficar mais fácil de visualizar.

1. Especiação Alopátrica -  Uma barreira geográfica pode surgir a partir de rios que mudam seus cursos, montanhas surgem, continentes derivam, organismos migram e o que foi uma vez uma população permanente é dividida em duas ou mais populações menores. Uma barreira geográfica pode ser invisível também, quando por exemplo, as populações estão simplesmente longe demais para ter contato. É o que pode acontecer através da migração, por exemplo. É importante também pensarmos que uma barreira intransponível para algumas formas de vida, não o é para outras. Por exemplo: para uma ave, um rio é uma barreira bem irrelevante, mas certamente um rio largo não é tão fácil de ser atravessado por um pequeno roedor.

A existência de especiação alopátrica se evidencia, por exemplo, no fato de que regiões que são isoladas ou altamente subdivididas por barreiras costumam ter mais endemismos do que regiões semelhantes sem essas características. Por exemplo, muitas plantas e animais únicos são encontrados geograficamente isolados em ilhas, como vimos no documentário da Ilha das Cobras. Agora vamos para o nosso exemplo prático: Na Ilha Andros, nas Bahamas, populações de peixe-mosquito (Gambusia hubbsi) colonizaram diversos lagos e acabaram ficando isoladas umas das outras. A análise genética indicou que o fluxo gênico é raro ou inexistente entre os lagos, o que nos indica que um processo de diferenciação pode estar ocorrendo sobre populações do peixe-mosquito. O ambiente entre os lagos é muito similar, exceto pelo fato de que em alguns deles há muitos peixes predadores. Nos lagos com “muitos predadores”, a seleção favoreceu a evolução de uma forma de peixe-mosquito que permite rápidas fugas, um nado rápido. Nos lagos com “poucos predadores”, a seleção favoreceu uma forma corporal distinta, que está relacionada com a capacidade de nado por longos períodos de tempo. Como vocês podem ver, diferentes pressões seletivas nos dois lagos produziram diferenças anatômicas e fisiológicas nessas populações. Se elas estivessem se comunicando reprodutivamente, uma diferença anatômica tão grande certamente não existiria. Para saber se essa diferença é suficiente para isolar reprodutivamente as espécies mesmo que elas voltem a se encontrar, os pesquisadores promoverem esse encontro artificialmente, simulando um momento onde essa barreira deixasse de existir. Para isso, colocaram os peixes-mosquitos dos dois tipos de lagos no mesmo local. Observaram que a fêmea do peixe-mosquito prefere cruzar com machos com forma corporal semelhante às delas. Essa preferência estabeleceu uma barreira de comportamento reprodutivo entre os peixes-mosquitos dos lagos com “muitos predadores” e com “poucos predadores”. 

Conforme o continente único (pangeia) foi se segregando, muitas populações  que viviam no que hoje são os litorais dos continentes, foram separadas. Esse processo, chamado de deriva continental, deu origem a espécies claramente distintas, hoje em dia, mas que ainda guardam semelhanças umas com as outras.  A vicariância, que é a separação de populações através de barreiras físicas, é uma das formas de isolamento geográfico conhecidas. A outra que conhecemos é o efeito fundador. Nesse caso, mesmo sem uma barreira física clara, alguns membros de uma população migram e fundam uma nova população em outro local, distanciando geograficamente a população original da recém-fundada. A especiação alopátrica motivada por migração de uma pequena população também é conhecida como especiação peripátrica. A peripátrica seria um 'subtipo' da alopátrica.

2.1 - A partir da poliploidia.

Com um dedinho do acaso (na verdade, uma mão inteira), uma espécie pode originar-se de um 'acidente' durante a divisão celular que resulte em um conjunto extra de cromossomos, condição chamada de poliploidia. Já falamos sobre isso lá na seção de Genética. Ou seja, em vez de uma célula diplóide com trinta cromossomos (2n = 30) sofrer meiose e gerar 4 células haplóides com 15 cromossomos (n=15), ele pode gerar 2 células com 15 cromossomos, uma com 30 e uma com 0. Se essa com 30 for fecundada por um espermatozóide normal, com n=15, gerará um descendente triploide (3n = 45). A imagem ao lado tenta resumir esse processo! A especiação por poliploidia ocasionalmente ocorre em animais; por exemplo, a rã arbórea Hyla versicolor talvez tenha se originado dessa forma. O mais comum, nos animais, é que eventos como esse resultem em doenças genéticas, organismos espontaneamente abortados ou inviáveis. No entanto, a poliploidia é bem mais comum em plantas. Botânicos estimam que mais de 80% das espécies das plantas atuais descendam de um ancestral formado por especiação poliploide. Embora seja difícil estudar a especiação na natureza, cientistas registraram pelo menos cinco novas espécies de plantas originadas por especiação poliploide desde 1850.

2. Especiação Simpátrica -  aqui a especiação ocorre em populações que vivem na mesma área geográfica. E é aí que entra o mistério: como as barreiras reprodutivas se formam em populações simpátricas, já que seus membros permanecem em contato? Embora esse contato (e o fluxo gênico dele resultante) torne a especiação simpátrica menos comum que a alopátrica, a especiação simpátrica pode ocorrer se o fluxo gênico for reduzido por fatores como poliploidia, diferenciação de habitat e seleção sexual, como já explicamos anteriormente. Cabe a mim, agora, com mais detalhamento, explicar como esses fatores promovem diferenciações de dois grupos distintos dentro de uma população que está compartilhando o mesmo ambiente. 

2.2 - A partir da seleção sexual

A especiação simpátrica também pode ser motivada por seleção sexual. Indícios sobre isso foram encontrados em peixes ciclídeos em um dos importantes polos de especiação animal da Terra: o lago Vitória, no leste da África. Esse lago já foi o habitat de 600 espécies de peixes ciclídeos. Dados genéticos indicam que essas espécies se originaram nos últimos 100.000 anos de um pequeno número de espécies colonizadoras oriundas de rios e lagos de outras regiões. Como tantas espécies – mais do que o dobro do número de peixes de água-doce conhecidos em toda a Europa – se originaram em um único lago?

Uma hipótese é a de que subgrupos da população original de ciclídeos se adaptaram a diferentes fontes de alimento, que é algo mais relacionado com o item a seguir; mas a seleção sexual, pela qual as fêmeas selecionam com base na aparência dos machos, também pode ter sido outro fator. Pesquisadores estudaram duas espécies relacionadas e simpátricas de ciclídeos que diferem principalmente na coloração dos machos sexualmente ativos: machos da espécie Pundamilia pundamilia têm o dorso levemente azulado, e os machos de Pundamilia nyererei têm o dorso avermelhado. Os resultados encontrados sugerem que a escolha para o acasalamento com base na coloração dos machos sexualmente ativos é a principal barreira reprodutiva que normalmente mantém separados os conjuntos gênicos dessas duas espécies. Ou seja, apesar de serem geneticamente próximas, tendo ainda certa capacidade de gerar indivíduos híbridos viáveis, as espécies não se cruzam entre si por uma preferência de casais do mesmo subtipo, o que reforça uma segregação reprodutiva, mesmo que vivam em simpatria.

2.3 - A partir da diferenciação de habitat

Uma população que vivem em simpatria pode abrigar dois grupos distintos que exploram o ambiente de forma discretamente diferente. Seja uma predileção diferente por alimento ou quaisquer outro hábito. Em outras palavras, seria o caso onde uma subpopulação explora um hábitat ou um recurso não utilizado pelo restante da população. Esse é o caso da mosca-das-frutas norte-americana (Rhagoletis pomonella). O hábitat original da mosca eram árvores espinheiras nativas da América do Norte; há cerca de 200 anos, porém, algumas populações passaram a habitar macieiras introduzidas por colonizadores europeus. As moscas-das-frutas das macieiras se reproduzem nas macieiras ou perto delas. Isso resulta em um isolamento pré-zigótico (isolamento de hábitat) entre as populações que se alimentam das maçãs e as populações que se alimentam das frutas do espinheiro. Isso, por si só, já é algo relevante para a especiação simpátrica acontecer. Além disso, como as maçãs amadurecem mais rápido do que as frutas do espinheiro, a seleção natural favoreceu as moscas que se alimentavam de maçãs com desenvolvimento larval mais rápido. Essas populações que se alimentam de maçãs agora demonstram isolamento temporal daquelas populações de R. pomonella que se alimentam das frutas do espinheiro, impondo uma restrição pré-zigótica ao fluxo gênico entre as duas populações. Resumindo, embora as duas populações ainda sejam
classificadas como subespécies e não como espécies separadas, a especiação simpátrica parece estar em plena atividade.

Radiação adaptativa

A radiação adaptativa é a evolução rápida de uma espécie ancestral para novas espécies que ocupam muitos nichos ecológicos. Ou seja, uma alta taxa de especiação a partir de uma espécie ancestral, originando diversas novas espécies. Em outras palavras, pode ser entendido como o período de mudança evolutiva em que grupos de organismos formam muitas espécies novas com adaptações que permitem preencher papéis ecológicos disponíveis em suas comunidades.  Um exemplo clássico são os tentilhões da ilha galápagos. Lá, uma espécie ancestral deu origem a 14 outras espécies, que ocupam nichos distintos, de modo a explorar todos os nichos vagos da ilha.

A convergência adaptativa é o movimento 'oposto' da radiação. Nele, temos espécies diferentes que, por viverem em um mesmo local, podem ter características físicas ou estratégias semelhantes para lidar com as mesmas pressões seletivas. Valem lembrar que as características surgem ao acaso, como já estudamos anteriormente, então a convergência adaptativa nasce ao acaso, mas como a pressão seletiva é a mesma, se características parecidas surgirem, elas poderão ser positivamente selecionadas, resultando em organismos anatomicamente semelhantes, mas que não são evolutivamente tão próximos. Em outras palavras, ocorre quando diferentes espécies, sem possuírem necessariamente parentesco próximo (porque parentes todas são, em algum nível), apresentam adaptações semelhantes relacionadas a ambientes parecidos. O exemplo mais clássico está relacionado à forma do corpo em tubarões (peixe), ictiossauros (répteis, extintos) e golfinhos (mamífero). Em todas essas espécies, o corpo apresenta um formato que facilita o deslocamento de forma rápida na água, podendo levar pessoas que analisam a anatomia deses animais a concluir que são do mesmo grupo, mas na verdade, esse formato evoluiu de forma convergente nesses três grupos como uma adaptação ao seu hábito de vida aquático e predador. Dessa forma, o formato do corpo semelhante não tem relação com origem comum (não é homólogo), mas sim com adaptação convergente devido ao ambiente e comportamento semelhante (é análogo). 

Convergência adaptativa

Resumo e conceitos-chave

Esse é o momento que você, que perdeu alguma coisa no meio do caminho, tem para fazer as conexões que faltam para compreender bem a ideia atual de evolução biológica que a ciência compreende. Vamos lá.

1. Todos os indivíduos nascem a partir de outros indivíduos; todas as espécies se originaram a partir de outra espécie, o que dá a ideia de origem comum, de "único ancestral comum". Ou seja, um "ancestral universal". 

2. Espécie pode ser definida como conjunto de populações isoladas reprodutivamente de outras, ou seja, não trocam informação genética (gametas) com indivíduos de outras espécies; O processo evolutivo pelo qual se originam novas espécies é chamado de especiação. O processo onde espécies deixam de existir de forma definitiva é chamado de extinção.

3. Todos os descendentes de um determinado cruzamento herdam características genéticas dos genitores, mas possuem uma composição genética diferente e própria. Isto é, possuem modificações e mutações que surgem somente a partir da sua existência. Isto se chama descendência com modificação.

4. Mutações ocorrem aleatoriamente, ao acaso, e podem ser vantajosas, desvantajosas ou neutras em relação ao valor adaptativo; As mutações podem ocorrer e não necessariamente se expressarem, ficando silenciosas. Nesse caso não são submetidas à seleção natural. Para saber mais sobre mutações, vai na parte de genética!

5. A evolução não é direcionada. Isto é, a concepção científica da Evolução Biológica não compreende a existência de nenhum ser que controla ou direciona a evolução em algum sentido, seja esse ser divino ou uma força vital maior.

6. A Seleção natural é a causa da adaptação e vai atuar em todas as modificações que produzirem fenótipo, forem herdáveis e afetarem a habilidade de sobreviver ou se reproduzir

7. Embora a seleção natural ocorra por meio de interações entre organismos individuais e seu ambiente, os indivíduos não evoluem. É a população que evolui ao longo do tempo. Isso pois as modificações vão sendo moduladas através das gerações.

8. A evolução também pode acontecer pelo mecanismo da Deriva Genética, que ocorre mais intensamente em populações pequenas e pode gerar a fixação de características desvantajosas e/ou eliminação de características vantajosas pois age de acordo com o acaso. 

Que tal ler alguns posts relacionados com a temática da Evolução? Tem isso e muito mais lá no Blog!

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